O primeiro mergulho no vinho brasileiro. Balanços.

Apesar de fartamente documentado e certamente bem sucedido pela qualidade das discussões e degustações, pelo nível impecável do layout, pela infraestrutura, pela variedade de vinhos inédita, pelo resultado extremamente favorável aos vinhos brasileiros e pela repercussão positiva , o evento ocorrido na sede da Fecomércio em SP, nos dias 22 e 23 de agosto, parece que nem existiu, pois sua vida foi efêmera demais, vista por pouca gente demais, discutida por menos gente ainda.

Brasileiros, bebemos 1.8 litros de vinho por ano, somos 200 milhões. Destes tantos, 2/3 nascem de uvas que não se multiplicaram para o fermento vínico, mas para ir à mesa depois do almoço ou jantar, ditas uvas americanas. É pouquinho, mas é muito pois seria desinteressante para a industria e o comércio do vinho, caso não fôssemos tantos e que estes menos de 1 garrafa por pessoa não significasse algo em torno de 1,5 de garrafas por ano, muito mais, por exemplo do que os 25 litros per capita dos uruguaios, país que cabe no bolso da maioria dos UF da nossa República.

Nos ufanamos pelo grande resultado obtido pelos heróis DNA99 e Lote 43, coincidentemente dois vinhos cercados por genes de uvas americanas por todos os lados, lá no Vale dos Vinhedos.DNA99

Muito não se fez na área da discussão sobre escala produtiva do vinho brasileiro. Menos ainda se fez sobre questões que envolvem transporte, estoque e distribuição dos vinhos  20110810-lote43produzidos no Brasil. O dono de restaurante em SP, BH ou RJ que se encanta com o merlot de uma pequena vinícola e compra uma caixa para experimentar em seu estabelecimento, não consegue repor a tempo hábil, fica com um buraco na carta. Por uma vez passa erros de fornecimento. Na segunda vez sai da carta, principalmente porque é cômodo substituir por um dos grandes produtores nacionais que já dispõem de boa distribuição, fazendo um esquema próprio ou acordando com as importadoras do setor.

vinhos de latitudeQuanto a escala, quero saber porque um país continental como este produz tão pouco. Obviamente, metade da resposta está dada pela circulação da mercadoria – se não vende mais, se não rende mais, se não é requisitado, pra que produzir sequer o que se produz? Mas a outra metade do bolo racional passa pelo dito geo-referenciamento que tem poderes técnicos para dizer ao produtor que mais vale a pena investir no vinho do que em tomates, só para ficar num exemplo.

Principalmente, interessa descobrir porquê, quando existe estudos qualificados como os da Embrapa, que sugerem vocação agrícola a cada gerente de terra, Brasil afora, que cria seus próprios clones, que estuda profundamente as alternativas.

Vale do São FranciscoNos últimos anos, áreas antes virgens à sedução da uva submeteram-se a ela. As mais importantes, sem dúvida, foram a dos vinhos de altitude de Sta Catarina e os vinhos do Vale do São Francisco.

No primeiro caso, o capital investido vem de áreas que nada tem a ver com o vinho, o que não parece impressionar a ninguém, mas para mim é um grande indicador. Os poucos hectares já são suficientes para projetarmos um futuro nestas áreas. O mesmo já se pode dizer sobre a região limítrofe com o Uruguai, as áreas em torno do Vale dos Vinhedos que tem muito a crescer.

Campanha gaúchaParadoxalmente, o Vale dos Vinhedos propriamente dito está tão perto e tão longe da produção em escala, visto que a produção plantada de uvas de origem americana é rentável e suporta a produção dos vinhos e sucos de uva produzidos no Brasil. Difícil imaginar uma troca de plantação.

Apesar de termos avançado alguma coisa com as palestras do WineIn sobre marketing, pouco se pode aprofundar nas estratégias de produção.

Parto do princípio que o terroir e suas particularidades de solo e clima são apenas uma parte das decisões que o proprietário da terra tem para tomar. Uma outra parte tão importante, ouso dizer, diz respeito a análise do mercado e suas necessidades.

Tenho para mim que devemos ao mesmo tempo trabalhar vinhos simples, sem madeira, com toda a jovialidade que o mercado espera de nós, sem parar de insistir em criar grandes vinhos, porque este é o curso natural desta mistura entre amor e arte, entre ambição e possibilidade, entre potencialidade e persistência.

penfolds-grange-information

Foi assim na Austrália de Penfold, assim no Chile de Arrazuriz e Clos de Apalta, assim com o Nicholas Catena Zapata.

NicholasPoderá ser assim no Brasil também, onde ícones alavancam mercadologicamente produtos mais simples. Pois afinal, os produtos acima citados, além de garantirem o sucesso empresarial de quem os produziu, abriu a porteira para os produtos simples vindos de sua origem.Clos de Apalta

Ou trilharemos um caminho diferente?

Seremos o Vêneto dos Valpolicella, que a quantidade com venda garantida criou condições para a produção dos grandes Amarone e Recioto di Valpolicella? Ou seremos Beaujolais onde o Noveau – uma jogada genial de marketing que se sustenta há anos – dá espaço para produtos de extrema delicadeza e complexidade como são os Moulin a Vent, Morgon e outros vinhos de guarda?

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Num caso devemos investir mais em gamay e uvas similares. No outro cortes a partir do merlot. Em outros…

Finalizo dizendo que a prova realizada com os vinhos brasileiros disputando espaço com argentinos e chilenos numa mesma faixa de preço atingiu os objetivos básico e até criou distorções indesejadas e injustas.

Jamais pensei que os vinhos brasileiros iriam ganhar dos ícones maiores dos países vizinhos, mesmo sem a concorrência direta dos monstros sagrados, que fiz questão de não incluir – seja por preço seja por notoriedade – para disputar, como os maiores de cada vinícola, exceção feita ao Clos de Los Siete. Mas não fiz nenhuma sacanagem, pois lá estavam representantes, menos imponentes, é verdade, de vinícolas como Achaval Ferrer e Errazuriz.

Queria atingir a média, mostrar que nossos vinhos não deveriam ser motivo de chacota, não mereciam tal imagem pública, por mais que o consumidor ignaro ignorasse a quantidade de prêmios que se avolumavam sem cessar pelas paredes e galerias dos produtores brasileiros.

Neste sentido, mais importante ainda eram os vinhos até R$50,00, muito mais disputados em quantidade e muito mais delimitados em suas qualidades e características. Não queria patriotadas, tanto que pusemos vários estrangeiros a degustar e só não acertamos mais convidados porque o período de férias no hemisfério norte e a coincidência de datas com as degustações classificatórias do Guia Descorchados nos deixaram com poucas opções.

Nem queria – pasmem – ganhar o primeiro lugar, não se tratava disso, até porque os vinhos escolhidos eram sempre jovens demais, por conta dos critérios de escolha que fomos obrigados a seguir (últimos guias, que acabaram de analisar e classificar produtos, como o último Descorchados, RP, Guia Adega, Baco etc.).

Diferente seria se pudéssemos, se tivéssemos tempo e clareza metodológica para pedir a todas as vinícolas brasileiras mandar-nos amostras de seus melhores vinhos e não apenas aqueles que encontramos no nosso mercado. Escolher o melhor sem cometer injustiças de toda ordem é muito difícil. Fizemos o que estava à nossa disposição mas temos que fazer bem mais para cumprirmos os objetivos.

Em suma, apesar do sucesso, repito, tanto há para melhorar.

Abaixo algumas informações a mais sobre Wine In

WineIn_ReleasePós_ago13

http://www.exponor.com.br/winein/challenge-brasil-x-america-latina-abaixo-dos-r50/.

http://www.exponor.com.br/winein/challenge-brasil-x-america-latina-acima-de-r50/.

2 comentários em “O primeiro mergulho no vinho brasileiro. Balanços.

    1. Daiane, agradeço. Particularmente sobre o Luiz Argenta tenho sempre me referido de modo muito respeitoso, até porque não tenho memória melhor de algum vinho brasileiro do que o vosso Cuvée… Que queria ter na prova mas me disseram que não tinha mais

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