Sei que gero grande polêmica quando menosprezo um tanto esta incrível capacidade que o mundo do vinho tem de encontrar muitos aromas identificadores engarrafados. Estou convencido que o que faz o vinho o que é, não são estes perfumes, que servem principalmente para identificar uva e vinificação, mas principalmente defeitos. Tenho pra mim que a memória do vinho, a semelhança dele com seus pares de terroir, se reconhece nele mesmo, vinho tomado, depois de muitos goles.
Me pediram para fazer uma pesquisa sobre este Chateau Quinault, um filhote dos grandes Quinault L’Enclos de St Emilion. O vinho tem tudo para ser muito bom, mas já estava na hora de parar com tanto frufrufru e falar com o vinho é bem estruturado como são os grandes vinhos de St Emilion, que o vinho tem tipicidade, que seus taninos ainda vão evoluir em refinamento etc. e tal. Vá lá, concedo – que ele tem aromas que lembram os cheiros do bosque outonal, pelas frutas em compota e que na boca mostra todas as características que fazem de um St Emilion de boa estrutura ser famoso e identificável como tal.
Mas em vez disso, encontrei esta jóia da adjetivação enochatonômica, provando que os franceses, mesmo com toda a sua experiência não conseguem escapar deste blá-blá estupidamente requentado. O mal deste discurso, o maior deles, é fazer o eventual leitor sentir-se inferiorizado por não poder partilhar de tanta elevação, conhecimento dos perfumes, complexidade no sabor. Sim, existe perfume na flor Iris. Sim, é possível encontrar um toque animal no perfume ou mesmo no gosto de um vinho. Mas como fazer para se encontrar com nitidez entre as frutinhas negras e as vermelhas tão típicas do bosque? Em geléia ou confitadas? Quer mostrar tanta segurança que acaba por levantar sérias suspeitas sobre seus conhecimentos.
Vejamos mais de perto, com comentários e tradução livre, logo após do texto como o encontrei:
“Un château à forte renommée dont voici la première version casher dans toute sa splendeur. Un Saint Emilion Grand cru qui appelle la belle gastronomie. Au nez, des aromes de fruits noirs confiturés (cassis, mûres, myrtilles…) ou gelés de fruits rouges avec de notes de sous-bois, de terre de bruyère, de forêt automnale. En bouche, des arômes nets, giboyeux (chasse à courre) sur un ensemble floral très distingué (iris). L’ensemble est charnu, puissant, élégant, harmonieux. Vin racé et noble dans l’un des meilleurs millésimes du siècle. A carafer ½ heure. Avec un magret de canard sauce foie gras, une belle pièce de bœuf, des truffes, des champignons forestiers.
“Um produtor reconhecido onde sua primera experiência casher se apresenta todo o seu explendor… Um St Emilion Grand Cru que chama pela boa gastronomia (tem algum St Emilion de qualidade que não chama?)
…No nariz, aromas de cassis, amoras, mirtilos confitada ou em geléia de frutas vermelhas (é uma cois com frutas vermelhas ou é outra com frutas negras? Ou não faz diferença), com notas de sub-bosque (é aquele cheiro meio podre de terra úmida que fica debaixo das folhas do outono, em lugares onde não bate o sol), de floresta outonal.
… Na boca, aromas definidos, caça pura (que caça? Qual animal? Todos cheiram iguais? Logo depois da caça? Misturado ao suor do cachorro que o pegou?), sobre um conjungo floral muito nítido de Iris (????? ) (iris). Como então aromas tão definidos assim?
… O conjunto é consistente, poderoso, élégante, harmonioso. Vinho de raça, muito nobre, numa das melhores sacras do século. Arrolhe por meia hora. Beba com magret de pato com molho de foie gras, um belo bife, trufas, cogumelos da floresta ( não do bosque?). Em suma, o óbvio, alguns dos produtos mais caros e exóticos da culinária, nada menos original como harmonização. Não iria bem com a tal caça? Quem sabe com uma salada de pétalas de Iris? E a geléia de frutas vermelhas ou a compota de frutas negras não vão ficar ofendidas por não serem consideradas?