Devo relatar a quem por mim se preocupa – O Talhão da Serra, o vinho que veio da Beira Interior portando nada mais do que 100% Rufete, uma uva pouco ou nada conhecida fora de casa, está em boa trajetória, obrigado pelo que me concerne.
Começa carreira no Bravin da Daniela e continua pelo Due Cuochi, Rive Gauche, La Frontera, Jacarandá, Martin Fierro e Vinheria Percussi. Começa bem, de modo auspicioso.
Estarei eu atacando certo? Públicos diferentes, tickets diferentes, mesmo vinho?
Em primeiro lugar, nesta condição de importador, vendo para os amigos e conhecidos, vendo para os chegados, até porque o Talhão da Serra não veio só, está acompanhado de uns negos muito mais baratos que ele e de um outro tão importante mas bem menos curioso, um 100% Syrah, coisa que lembra os alentejanos modernos.
Em segundo lugar num mercado tão incerto quanto este, deixo as certezas para os tolos, desculpe dizer.
Afinal, o grande consumidor de vinho de uvas européias no Brasil não consegue – junto com seus pares espalhados pelo país – superar o mísero índice de 0.6litros/per capita/ano, o que não nos autoriza falar sobre o gosto brasileiro, é universo ínfimo, é amostragem pífia, ao contrário do que tanta gente afirma. Ou seja, o mais entendido não tem autoridade para afirmações peremptórias.
Temos uma oferta que supera os 30 mil rótulos, mas este gigantismo engana, não é acertivo na hora de definir preço e consumidor, por mais que gente séria como o Cabral do Pão de Açúcar e o Amarante da Mistral possam emitir suas opiniões e gráficos bem fundamentados. Simplesmente porque a litragem é pífia, principalmente quando comparada a dos EUA que em menos de 30 anos passou a perna em quantidade e valor nos mercados mais importantes e tradicionais do mundo, incluso França, pois hoje produz bem e consome melhor ainda – 10 litros/per capita/ano!!!! Se formos olhar por aí então, nem sequer começamos deslanchar.
São 30 mil rótulos ou mais, que não emocionam, por que será? Aposto que muito do erro está no fato que são 30 mil rótulos da mesma coisa, uma coisa meio pedante, meio maria-vai-com-as-outras.
No começo, os vinhos vinham para satisfazer os imigrantes bebedores de vinho, sedentos da memória – Chianti de governo toscano, Valpolicella ainda não malolatizado, vinhos verdes do Minho, Riojas de mesa, vindos do pé da serra dominavam as prateleiras das padarias e supermercados, dormiam de pé.
Depois a sofisticação, a opulência o esnobismo de quem entrou no vinho pelas portas do luxo dos anos 1970, quando os preços quebraram todas as barreiras, quando ficou brega tomar vinho em taças que não fossem desenhados pelo Riedel. Depois a profissionalização dos supermercados permitiu a oferta em lotes cada vez maiores, dando esperanças aos comerciantes, produtores e importadores.
Como? Eu ouvi 1.8? Sim, este é o número oficial de consumo brasileiro, usado pela Ibravin, pela Embrapa, pela ABE e todos os outros. Mas ele carrega 2/3 de consumo de vinho de garrafão, vinho de uva de suco e de mesa, de uva americana, um produto outro… Que aliás tem sua dignidade, merece um tratamento respeitoso, apenas não se mistura com o que é essência desta reflexão, estamos certos?
Quero importar Rufete e Rabigato de Portugal, como estou começando.
E se der certo, quero encontrar algum produtor que invista em nós, vindo deste distante mundo norteamericano, com seus Oregon, seus Washington, além dos californianos.
Quero trazer um pequeno (Petit) Barolo que conheci com seus 10mil litros entre La Mora e a província que dá nome ao vinho. Um produto que pode chegar ao nosso consumidor por menos da metade do preço que os grande chegam até nós. Quero um Aglianico, um Teroldego, um Nerello; quero um grignolino, por que não, um vinho tinto que se toma referescado, sem tanto compromisso tânico?
Quero trazer um chileno sem perfume de fruta em compota, coisa que deixa o vinho totalmente desarmônico, no meu entender. Encontrei um, que usava somente madeira de quarto uso, vamos ver como está.
Quero apresentar um Fronton, feito prioritariamente com esta uva dita Negrette, Siria de origem, antiga como as cruzadas do XI século. Quero mais um destes vinhos Lyrac e Cia, tão bons quanto os AOC de Ventoux ou Nîmes. Quero um semi-Condrieu que custe muito menos, um Montagne de St Emilion que custe muito menos, um Sancèrre, um Macon… Que sejam bons e custem muito menos.
Quero um Toro de pé franco, mas menos pretensioso, mais acessível sem perder a elegância.
Quero ter uma carta de bons brancos, mesmo que entre eles os neozelandeses liderem, acompanhados dos grandes franceses e italianos.
Porque meu negócio é militante, quero vinhos que apresentem diversidade, qualidade, limpeza, transparência e preço. Acredito que só através do grande crescimento horizontal do consumo teremos condição de amadurecer o mercado, trazer para dentro dele os excelentes produtores brasileiros que não param de aparecer, diluir o ganho do intermediário num bolo muito maior, muito mais divisível e menos escorchante para o consumidor final.
Evidentemente não tenho perfil nem idade para ser um Robin Wood do vinho. Não sou o único a pensar assim, que bom, né?

Mas acho que o consumidor merece maior número de portas para a entrada ao mundo do vinho, que não sejam apenas as da facilidade – lambrusco/Prosecco – nem as da obrigatoriedade social – Bordeaux/Borgonha/Catena Zapata.
Desde o Darwin, que já tratava de 800 cepas originárias da vitiinífera, o mundo cresceu para mais de 4000, enquanto que o mercado pretendeu reduzí-lo a menos de 10 – Cabernets, merlot, syrah, pinot noir, malbec etc.
Abram alas ao vinho. Ele ainda não chegou mas vai chegar!