A questão da harmonização do vinho move montanhas. Tanto já se escreveu, eu mesmo tenho até um capítulo sobre o assunto no livro que publiquei (Embutidos, da sobrevivência à gastronomia; 2011; São Paulo; Ed. Senac-SP). Lá amparo meus comentários em reflexões de gente como o Peynaud, o Kurnonski, o Enrico Bernardo e outros tantos, incluindo meu primeiro curso sobre o assunto, o do Maurice Bibas.
Os alunos do SENAC de Águas de São Pedro pedem linhas de pensamento, pendem fundamento, com razão, pois o curso dita sobre o assunto, tem até aula específica sobre isso, apesar de não servir nenhum alimento sólido para casar com os vinhos degustados, a não ser il solito pezzo di pane.
Premido por um trabalho que estou fazendo com fichas técnicas de uma importadora, postei no Facebook o seguinte comentário – “Acabo de receber mais uma oferta de vinho, aliás de dois grandes vinhos, que conheço e admiro. Só que não venho a público para falar deles e sim da bobagem que são os complementos das fichas técnicas, uma briga que mantenho com importadores e restauradores que me pedem para escrever algo sobre a harmonia entre comida e vinho. E neste caso, é exemplar: Trata-se de dois vinhos, um que custa R$500,00 e outro, da mesma produtora que custa R$150,00. O primeiro harmoniza perfeitamente, de acordo com a ficha, com “a culinária italiana clássica, com seus assados, caças de pelo e risotas”. Já o outro, que é mais simplinho vai muito bem “antipasti, massas com molho de tomate e carnes assadas”.
É meio ridículo, não é? Evidentemente, se ambos são vinhos firmes, com as mesmas características nas uvas e na vinificação, sendo o mais nobre e pontuado apenas um vinho com um pouco mais de potência e madeira, ambos vão bem quase com a mesma coisa, até porque, até onde sei a “culinária clássica italiana” inclui massas com molho vermelho e carnes assadas como o fantástico stracotto, non è vero? “
Estendo o comentário para tantas outras fichas técnicas, que se esmeram em ganhar preciosismo, como a que acabei de ler. Diz o texto que “tal vinho feito de uva Syrah é um vinho licoroso, com fortes notas de fruta” características que jogam o produto muito mais para a reflexão do que para a gastronomia, não é?


≈Outro caso do mesmo trabalho – comentando um late harvest, o autor diz que aquele vinho é ideal para tarte tatin de alguma fruta como maracujá!
