Publicado em http://www.senhorasesenhores.com/o-vinho-verao/ em 07 de novembro de 2014
Num país cujo maior vício de consumo alcoólico chama-se“cerveja estupidamente gelada”, é quase um acinte pretender abater o calor e a sede com fermentado de uva.
O país dos tupiniquins é a 3ª ou 4ª maior potência cervejeira do mundo, em consumo e produção, enquanto está lá na rabeira dos produtores e consumidores de vinho.
Parece uma coisa meio fora de lugar, como se o vinho fosse um produto criado para ser tomado de terno e gravata, num ambiente refrigerado.
Afinal, é assim que os burocratas das grandes empresas bebem vinho em seus almoços de diretoria. É assim que os novo ricos se apresentam nos restaurantes quando querer arrotar dinheiro e poder. É assim que embalaram o vinho dos dias de hoje… Mais um gesso do que uma embalagem.
De fato vinho pode estar realmente associado a elite, visto que foi o bem líquido mais importante das aristocracias que pululavam entre fronteiras do velho mundo.
No entanto, esquecem os esnobes, que o vinho frequentava, ao mesmo tempo, as hospedarias de estrada que singravam o continente, vinha sem preconceitos à mesa do cidadão comum, dividia com o tomate, com a oliveira e os leguminosos a plantação do pequeno proprietário da terra, mesmo que para consumo próprio.
Quem acha que vinho é produto de elite, esquece que vinho acompanha a civilização ocidental desde o primeiro templo de Israel, não sabe que até 30 anos atrás, uma taça de vinho costumava custar menos do que uma garrafinha de Coca-Cola, menos que um cafezinho e que era a bebida dos moradores de rua de Paris.
O vinho que traz prestigio hoje parece ser aquele cheio de madeira e álcool. Mas são tantos os outros que são chamados legitimamente de “vinho” pois igualmente são nada mais do que fermentados de uva! Tem vinhos jovens, para serem tomados no veraozão, vinhos tintos que se toma quase gelado, vinhos frizantes, que se acabam em menos de dois anos, mas verdadeiras delícias para tirar a sede ou acompanhar refeições ligeiras.
E, posso garantir, ninguém vai achar legal ver você pedindo um vinho poderoso num lugar quente do Mediterrâneo onde todo mundo bebe, além de brancos e rosados, tintos jovens, frescos, gostosos de beber aos grandes goles.
É o que acham os europeus que vêm visitar o nosso nordeste e estranham a nossa resistência aos vinhos menos estruturados, sejam eles de que cor forem!
Além do que, vinhos de verão são incomparavelmente mais saudáveis do que a cerveja que empapa a partir do segundo copo. São digestivos, são facilmente harmônicos com uma quantidade enorme de pratos, não apenas do mar.
Em Marselha, a sopa feita de peixinhos que se escondem debaixo das rochas da encosta, que complementa um creme à base de batata e açafrão, a Bouillabaisse, harmoniza com os grandes, secos e sisudos rosados da Cote du Rhone, particularmente os Tavel.
Em uma aula/degustação que dei há uns 5 anos, propus vinhos tintos – 15 ao todos – para serem provados na mesa, servidos abaixo dos 13ºC. Os 3 sommeliers presentes torceram o nariz.
Os outros 18 não sommeliers aprovaram, não apenas beaujolais villages, ou tempranillos jovens. Aprovaram e até hoje passam o verão entre as uvas.