Para não perder o bonde que vai da Encruzilhada até Rosário do Sul

Wine Coach BR. Vinho & Co.

Muito se escreveu ultimamente sobre esta região. Tanto que quis entendo-la melhor a partir de um viés nem sempre muito destacado – a formação do capital deste novo terroir do vinho brasileiro. paraleloNovo terroir em termos, digamos, porque a Almadén está por lá desde que recebeu a recomendação da UC Davis para lá plantar, visto que a famosa e prestigiada universidade pública californiana andou recomendando vivamente esta prática a quem queria investir no Brasil, cantando loas a seus dotes de terra dourada, partícipe privilegiada de um dos melhores paralelos do mundo, o 31º, que envolve, Chile, Argentina, África do Sul e Austrália. Pela mesma mão, a velha Moet Chandon avaliou sua nova posição, ainda na década de 1970, quando contava com o sr. Angheben e o sr. Geisse como seus enólogos e conselheiros. Mas nova porque atraiu nos últimos anos, uma série de investidores no vinho, gente que já investia…

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Para não perder o bonde que vai da Encruzilhada até Rosário do Sul

Muito se escreveu ultimamente sobre esta região. Tanto que quis entendo-la melhor a partir de um viés nem sempre muito destacado – a formação do capital deste novo terroir do vinho brasileiro. paraleloNovo terroir em termos, digamos, porque a Almadén está por lá desde que recebeu a recomendação da UC Davis para lá plantar, visto que a famosa e prestigiada universidade pública californiana andou recomendando vivamente esta prática a quem queria investir no Brasil, cantando loas a seus dotes de terra dourada, partícipe privilegiada de um dos melhores paralelos do mundo, o 31º, que envolve, Chile, Argentina, África do Sul e Austrália. Pela mesma mão, a velha Moet Chandon avaliou sua nova posição, ainda na década de 1970, quando contava com o sr. Angheben e o sr. Geisse como seus enólogos e conselheiros. Mas nova porque atraiu nos últimos anos, uma série de investidores no vinho, gente que já investia e que tinha que ampliar, assim como gente que fazia outra coisa e decidiu entrar no negócio. No primeiro grupo, a Miolo, a Lidio Carraro, a Angheben, a Salton e outras vieram se juntar às pioneiras, em parte porque estava provado enquanto potencial para bons vinhos, em parte porque a terra por lá custava n vezes menos do que as terras do Vale dos Vinhedos, onde estavam – na maioria das vezes. A Miolo merece aqui um destaque a parte – graças a o espírito visionário de sua diretoria, a Miolo é muito mais do que uma vinícola local. Associou-se para todo lado e hoje é uma coisa assim : Vinícola Miolo (Vale dos Vinhedos, RS), Seival Estate (Campanha, RS), Vinícola Almadén (Campanha, RS), RAR (Campos de Cima da Serra, RS) e Vinícola Ouro Verde (Vale do São Francisco, BA). Além disso, conta também com seis acordos de joint ventures interncionais: Costa Pacífico (Chile), Osborne (Espanha), Los Nevados (Argentina), além das vinícolas Podere San Cristoforo e Giovanni Rosso (Itália). Ou seja, faz parte da lógica da empresa, é absolutamente natural estar na Campanha com a Seival, com a Almadén e com a Campos de Cima, pois basta ver a diversidade de negócios e acordos societários, para ver que é uma empresa modelo na área, ao menos no que tange ao compromisso com a pesquisa sobre qualidade. reg_campanha_mE pela Miolo introduzo o segundo grupo, pois ela criou know how local e com ele vem assessorando os vinhos do famoso Galvão Bueno, assim como o não menos famoso Randon e seus vinhos da marca RAR. Randon e Bueno, by the way, tornaram-se sócios importantes do grupo Miolo. Tirando o caso excepcional da Cordilheira de Santana, propriedade de um casal de enólogos que construiu uma das mais promissoras butiques de vinho do país, um grupo interessante de investidores, cuja atividade principal não é o vinho, vem se implantando por lá, transformando a região de pastoreio e soja, numa região extremamente promissora para o vinho. Guatambu, Routhier & Darricarrère, os citados Randon e Bueno e outros fazem dinheiro com suas atividades primeiras, enquanto produzem vinhos que pretendem atingir alta qualidade, muito antes de dar qualquer retorno do capital investido. Passei um questionário para alguns produtores e publico aqui, duas entrevistas, a da Gabriela e da Rosana, ambas enólogas responsáveis pela Guatambu e pela Cordilheira de Santana respectivamente: Entrevista com a Gabriela da Guatambu- IMG_9457

  1. Quando vocês começaram as atividades da vinícola?

Em 2003, após eu me formar em agronomia, iniciamos o plantio de uvas. Convenci meu pai a experimentar o cultivo de uvas, devido ao ótimo clima da região da Campanha, onde já tínhamos fazenda, e também para diversificar as atividades. Em 2005 começamos a fazer junto com a Embrapa vinificações experimentais, e em 2008 fizemos o primeiro vinho comercial, denominado Rastros do Pampa Cabernet Sauvignon. Mas desde a safra 2012 fazemos todos nossos vinhos e espumantes na nossa própria vinícola, localizada em Dom Pedrito. E em 2013 inauguramos a Vinicola enoturística. Optamos por investir no enoturismo pois para os vinhos se consolidarem no mercado é importante comunicar sua origem, e em geral os clientes de vinho valorizam muito quando conhecem como é feito todo o processo de elaboração do produto. Além disso, fizemos um restaurante na vinícola com uma estilosa e moderna infra-estrutura, para aliar nossos vinhos à gastronomia, pois desta forma eles revelam todo seu potencial.

  1. Fale um pouco sobre as atividades de genética da Guatambu, quais são as especialidades, qual é o main ativity da empresa, quem toca, que capital gera…

A Estância Guatambu trabalha há 50 anos com pecuária de corte e melhoramento genético das raças Polled Hereford e Braford. Estas raças produzem umas das carnes mais saborosas e macias do mundo, alem de serem bem adaptadas ao nosso clima que tem invernos frios e verões quentes. Também temos criação de ovinos para produção de carne e lã, na mesma propriedade onde estão os vinhedos. Na agricultura, temos produção de semente de arroz certificada, grãos de soja e de sementes forrageiras. Muito do sucesso do trabalho da minha família no agronegócio está na integração entre agricultura e pecuária, uma atividade fortalece a outra, por questões agronômicas e econômicas. Que gerencia esta atividades é meu pai, Valter José Pötter, que e médico veterinário, juntamente com outros técnicos.

  1. Como é o esquema do restaurante, para quantas pessoas?

O restaurante tem capacidade para 180 pessoas. A vinícola oferece uma vez por mês almoços harmonizados.Informamos a data no site da vinícola e também nas redes sociais e por e-mail. Na primeira etapa harmonizamos um espumante ou vinho branco com uma entrada, geralmente composto por vegetais, queijo e linguicinha parrillera, na segunda etapa vem o prato principal, quando harmonizamos nossos vinhos tinto marca Rastros do Pampa com carnes assadas na nossa linda “parrilla”, com acompanhamentos variados. Por último, servimos a sobremesa harmonizada com o espumante Poesia do pampa Demi-sec. Também fazemos neste ambiente, que chamamos Salão Rastros do Pampa, degustações, geralmente no final do tour na vinícola. São também agendadas, e podem acontecer em qualquer horário, com qualquer número de pessoas. Para tal, temos pacotes, oferecendo várias opções. Além disso, locamos o “Salão Rastros do Pampa” para casamentos, festas de aniversário de adultos, reuniões corporativas. Quando o evento é sob nossa responsabilidade, organizamos almoço, jantar ou happy hour.

  1. Quantos eventos vocês já criaram?

Já fizemos 54 encontros na vinícola, a maioria consistia em tour e depois almoço harmonizado, e fizemos na safra passada uma programação especial sobre a vindima, onde os visitantes colheram as uvas e ajudaram no seu processamento.

  1. Quantos ha. vocês têm plantado em uva? 22ha
  2. Quais são as uvas que estão se dando melhor? Nas brancas, Chardonnay e Gezwürztraminer, e nas tintas, Tannat e Cabernet Sauvignon.
  3. Quantas garrafas você produzem e quantas querem produzir? Produzimos 133 mil garrafas, e pretendemos chegar a 170 mil garrafas.
  4. Quais são seus campeões de venda? Nos tintos, o Rastros do Pampa Tannat, que ganhou o prêmio TOP TEM da Expovinis 2014 como Melhor Vinho Tinto Nacional. Nos espumantes, o Poesia do Pampa Brut e Guatambu Rosé Brut.tannat-vinho-guatambu-rastros-do-pampa-tannat-750ml-2336
  5. Onde você vende? Vendemos para consumidor final direto na loja da Vinícola (25% das vendas) e para lojas especializadas e Restaurantes principalmente da região Sul do Brasil, mas também em SP, RJ e Brasília.
  6. Em loja, restaurante?Temos mais de 130 pontos de venda no Brasil.
  7. Quais são os princípios enológicos que você segue?

Seguimos os princípios de preservar a qualidade das uvas, que são todas produzidas na Guatambu, para que o cliente encontre na garrafa muita autenticidade e elegância. Nossas uvas já sofrem um amadurecimento dos taninos quando estão na planta, devido ao clima da região da Campanha. Por isso produzimos vinhos e espumantes muito macios e elegantes, esta é nossa marca. Quando as uvas chegam na vinícola, primeiro são armazenadas por no mínimo 24 horas em câmara fria, para baixar a temperatura a aproximadamente 6°C, para preservar suas qualidade de aromas e sabores e evitar processos oxidativos. Depois disso, ela por gravidade natural vai para o processamento. Na fermentação utilizamos leveduras selecionadas, que trabalham a baixas temperaturas, para produzir aromas mais finos e delicados.

  1. Qual é a sua posição sobre os selos de biológico, de compromisso de produção, de biodinâmico, de kosher etc.?

Acredito muito em produzir uvas e vinhos de uma forma mais natural e sustentável, por isso já trabalhamos desde 2010 com técnicas sustentáveis no vinhedo, e, na vinícola, todo projeto foi pensando nesta linha. Utilizamos há 4 safras a máquina Lazo TPC em uvas tintas, que substitui o uso de químicos no controle de doenças através do jato de calor a 135°C. Para controlar doenças fúngicas que possam aparecer nos vinhedos, utilizamos, também, microorganismos que competem com o fungo que ataca a parreira, sendo uma concorrência natural. Nesta safra algumas parcelas dos vinhedos já foram 100% tratadas utilizando o controle biológico. Para a safra 2015/2016, pretendemos utilizar em todo vinhedo este manejo. Assim produziremos vinhos cada vez mais sustentáveis. A energia solar deve suprir 100% a energia da vinícola até 2016, através da ampliação da central geradora fotovoltaica já existente no local. Atualmente, 18 painéis fornecem energia para as instalações. Nos próximos meses 510 placas solares serão instaladas. Além de economia de energia elétrica, o sistema registra a economia na emissão de CO2 e devolverá à rede de energia a produção sobressalente que não for utilizada.  “Nosso consumo no pico é de 20 mil quilowatts por mês. Com a instalação do sistema fotovoltaico, vamos garantir uma economia financeira e de energia”, conta o diretor-proprietário Valter José Pötter. “Nossa trajetória empresarial sempre foi norteada pela inovação e sustentabilidade econômica, social e ambiental dos empreendimentos. No caso da vinícola não poderia ser diferente”, afirma.extra-brut-espumante-guatambu-chardonnay-extra-brut-750ml-2320 A sustentabilidade também é encontrada no fornecimento de água do local. Reservatórios foram construídos para captar água da chuva, que é utilizada para PPCI e irrigação dos jardins. Outra parte segue para estação de tratamento, construída dentro dos padrões da Organização Mundial da Saúde, produzindo 500 litros de água potável por hora, que é utilizada para no complexo industrial e enoturístico.

  1. Quais os prêmios que vocês ganharam? O Rastros do Pampa Cabernet Sauvignon e Tannat são Medalha de Ouro no Concurso Mundial Bruxelas, Brasil, nos anos 2013 e 2014 com a safra de 2011. O Tannat foi o melhor vinho tinto nacional no TOP TEN da Expovinis de 2014. O nosso espumante brut tem ganho medalha de ouro no La Mujer Elige 10ª e 11ª edições, com o Extra Brut, o Rosé e com o Rastros do Pampa Merlot. Além disso, prêmios na Itália e outros tantos no Brasil.

E agora a entrevista da Rosana da Cordilheira de Santana –Rosana

  1. Quando vocês começaram as atividades da vinícola? Compramos a área de terras de 46 hectares no ano de 1999 e plantamos o vinhedo no ano de 2000.
  2. Quantos ha. vocês têm plantado em uva? Atualmente temos plantados 20 hectares de vinhedos.Cordilheira
  3. Quais são as uvas que estão se dando melhor? Quando plantamos os vinhedos  já sabíamos quais eram as variedades melhor adaptadas na região da Campanha Gaúcha. Assim sendo, logo no início plantamos Tannat, Cabernet Sauvignon e Merlot, dentre as tintas e Chardonnay, Gewurztraminer e Sauvignon Blanc, dentre as brancas. Todas elas estão super bem adapatadas ao solo e ao clima de Palomas. Há 03 anos também plantamos Pinot Noir e Touriga Nacional. Ambas começaram a produzir no ano passado e já respondem muito bem, mas ainda é cedo para fazer uma avaliação completa.Cordilheira
  4. Quantas garrafas você produzem e quantas querem produzir? Nosso negócio é bem pequeno, uma vez que ele reflete bem mais uma filosofia de vida do que propriamente um negócio. Acho que você sabe que Gladistão e eu passamos toda nossa vida trabalhando com vinhos, mas sempre na condição de empregados. Uma vez que, fazer vinhos é o que sabemos fazer melhor, resolvemos continuar nossa tarefa mesmo depois de aposentados. A diferença é que agora elaboramos em nossa própria empresa. Então podemos fazer do nosso jeito, sem nos preocuparmos com volume de vendas, etc. É realmente uma filosofia de vida, um prazer para nós dois, o que é com certeza, não deixa de ser um grande privilégio. Assim, estamos produzindo em torno de 8.000 garrafas anuais, sem nos preocuparmos em aumentar esta produção. Se isto acontecer, melhor, mas nunca iremos abrir mão de produzir o vinho conforme os nossos princípios.
  5. Quais são seus campeões de venda? Esta pergunta soa um pouco estranha para nós. Não podemos dizer que temos um campeão de vendas porque praticamente todos vendem dentro do mesmo patamar. Veja que temos alguns vinhos que são mais comuns à todas às vinícolas, como o Cabernet, o Merlot e o Chardonnay. Neste caso, são variedades mais conhecidas, mas que, ao mesmo tempo, tem muitos concorrentes no mercado. No caso do Gewurztraminer e do Tannat, as variedades não são tão conhecidos assim e por este motivo, mais difíceis de serem encontradas, de forma que, quem os aprecia, procura o Cordilheira de Sant´Ana porque identifica a marca.
  6. Onde você vende? Em São Paulo, no RJ etc. Vendemos principalmente em São Paulo.
  7. Em loja, restaurante? Também, mas o nosso foco é pessoa física. Fazemos muita venda direta.
  8. Quais são os princípios enológicos que você segue? Primeiramente buscamos elaborar vinhos o mais naturais possíveis. Nosso processo de elaboração é o tradicional. Sempre dizemos que os nossos vinhos são artesanais pelo cuidado com que são elaborados e pelo cuidado com a produção da uva no vinhedo. Por outro lado, eles não são artesanais quando falamos da tecnologia empregada. Temos tecnologia moderna para elaboração, o que garante total assepssia do processo, manutenção de aromas e sabores, etc. No entanto, o emprego desta tecnologia não significa que produzimos vinhos de consumo de massa, conhecidos como vinhos tecnológicos. Pelo contrário, nossos vinhos são a expressão do terroir em que as uvas são cultivadas, de forma que necessitam de tempo para evoluir e amadurecer antes de mostrar todo o seu potencial. Não apressamos nenhuma parte do processo de elaboração. Nossos vinhos amadurecem naturalmente, nos tanques, barricas de carvalho ou garrafas. Além disso, não necessitamos fazer correções porque temos um cuidado extraordinário no vinhedo, o que faz com que  as uvas fiquem naturalmente equilibradas. Isto se comprova pela longevidade dos vinhos. Atualmente estamos comercializando vinhos com mais de 10 anos de idade, tanto brancos quanto tintos, os quais estão perfeitos para serem consumidos.
  9. Qual é a sua posição sobre os selos de biológico, de compromisso de produção, de biodinâmico, de kosher etc.? Achamos que existe um mercado muito amplo, em que há lugar para todo tipo de posicionamento. O importante é que cada vinícola consiga discernir perfeitamente sobre a sua real vocação e trabalhar para que esta vocação seja reconhecida e identificada pelos clientes e consumidores.
  10. Quais os prêmios que vocês ganharam? Apesar de praticamente não participarmos de concursos, em 2008 recebemos o prêmio de melhor vinho Chardonnay da Expovinis, com o nosso Chardonnay 2005 e em 2011 o Chardonnay 2010 foi eleito o segundo melhor Chardonnay da Expovinis. Em 2012, nosso Merlot 2008 recebeu a medalha de prata do Concurso de Bruxelas.

A cultura do ignorante e a ignorância do culto*

pargheliaSei que nada sei, cada vez que lembro desta minha historinha, que está completando 44 primaveras.

Uma história que tem como protagonista um calabrês de 22 anos, que substituíra o pai no cultivo das uvas nos últimos cinco anos, visto que aquele era marinheiro de navios transatlânticos, ocupado em servir turistas europeus no mar com destino à Austrália, ano afora, o que não lhe permitia dstar presente na colheita, no plantio, na fermentação.

Substituía nas horas vagas e justas, pois ajudava na casa, arrumava telhado, comprava peixe, plantava horta, cuidava do galinheiro e da oliveiras, construía galpão, apenas quando não estava ocupado em estudar para o curso de engenharia que frequentava em Messina, Sicília, a mais de 120km ao sul.

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Comia-se maravilhosamente, naquela cidadezinha perdida no sul da Calábria, ainda prenhe de resquícios gregos, entre eles o nome do local – Parghelia.

tonniO peixe era o atum que passava pelo canal que se formava entre o continente e a Sicília, vendido ainda bem fresco em Tropea, cidade histórica, mimo deixado pelos espanhóis que – fugidos dos mouros no século VII – se instalaram por lá e trouxeram consigo este estilo de cidade branca caiada.

A mãe de nosso herói preparava pratos de lamber os beiços com os ovos, os frangos, as galinhas, as lulas, polvos, ouriços e atuns do lugar. A massa era feita em casa. O azeite, o vinho, as verduras e hortaliças idem.

TropeaProvocado, o jovem calabrês, sem fazer grande alarde, identificava na taça o ano do vinho servido, entre os cinco garrafões que ocupavam a parte escura do galpão, todos eles de cabeça para baixo, cada um etiquetado com um ano, o ano da safra. E identificava igualmente com a mesma segurança, os vinhos que vinham das garrafas amontoadas no canto do mesmo galpão, garrafas apenas datadas, de seis anos anteriores aos cinco citados.

damigianaNão contente, era capaz de dizer que no ano de 1966 a chuva tinha quase estragado a colheita, obrigando seu pai a começar o processo 15 dias antes da uva estar pronta, o que teria aumentado em muito a sensação tânica, e que – apesar do vinho ter seus seis anos de idade – ainda não estava pronto para beber. Ou então que a seca de dois atrás tinha dado uma produção tão pequena, mas tão concentrada, que o resultado tinha sido um vinho que as pessoas quase não acreditavam ser da uva Gagliopo, a que notabilizou o Cirò, Ciròconsiderado o grande da Calábria, conhecido porque até os anos 1980, a seleção de futebol italiana viajava sempre com ele, o que chamava a atenção, porque aos olhos do mundo, este não era o vinho mais esperado, afinal porque não o chianti, o valpoliccella, o Montepulciano d’Abruzzo, vinhos muito mais populares, ao menos para quem conhecia o vinho italiano que era exportado da Bota.

GevreyNa época, eu já era viajado, conhecia vinhos da Itália e da França, além dos chilenos Choncha Y Toro, e Undurraga, além dos brasileiros Granja União, Velho do Museu e Dal Pizzol, fora os de garrafão como o famoso Sangue de Boi. Já sabia o nome dos grandes vinhos de antão…

  • Gevrey Chambertin??? Barbaresco, Brunello, St Emilion? Nossa, como você conhece vinho! Eu aqui só conheço estes vinhos que faço, sou um total ignorante.

Tantos anos depois, ainda ressoa no meu ouvido a frase “Nossa, como você conhece vinho!.

Dou risada, porque a sua ignorância era de uma sabedoria imensa, enquanto que o meu conhecimento não podia ser valorizado quando comparado ao conhecimento dele, que sabia plantar, fermentar, tratar e julgar seus vinhos como um profissional do campo.

Evidentemente tínhamos culturas complementares, mas o que ele sabia demandava muito mais esforço do que o meu conhecimento, praticamente literário e sem terra nas unhas. Seu suor, sua sensibilidade medida por uma responsabilidade sobre o resultado da produção, era plenamente carregada de informações em todos os sentidos. A minha atenção enciclopédica, exigia uma forte observação, memória, respeito ao trabalho do outro.

Cultura em dois sentidos, um vertical, profundo, local. Outro horizontal, amplo, geral, superficial. Qual valia mais? Para mim, a dele. Para ele, a minha.

* Baseada livremente numa historia real