Escrevi este artigo para ser lido por gente que não é especialista em vinho.
Associaram vinho borbulhante a estado festivo, ainda quando o Luiz XVI mantinha a cabeça sobre seu corpo, em seu devido lugar.
Em matéria de espumante, tudo começou com corte francesa comemorando qualquer coisa com borbulhas, hábito que teve origem nas festas de coroação dos reis do país gaulês, sempre no monumento gótico regional, a catedral de Reims, capital de Champagne, onde os beneditinos serviam com todo cuidado, o vinho da região, normatizado por um tal Don Perignon, considerado o Pai da Champanha!
Tudo continuou com as cortes vizinhas e as não tão vizinhas, mas amigas como a Rússia, imitando a moda dos gauleses, que desde o século XIII alçavam seus pares ao trono pela consagração na Catedral de Reims.
Saído de Reims para o mundo aristocrático, esta esfuziante bebida abrilhantava as festas em geral, ao menos desde que o gás carbônico foi finalmente domado, em torno do fim do século XVIII – e tornou segura a aventura de transportar tal explosiva bebida, na segurança de uma garrafa bojuda e parruda o suficiente, enrolhada por uma rolha em cone e finalmente amarrada por fios de metal. Tudo isso para aguentar toda a pressão interna que causava e que ao menor movimento explodia vidros, quebrava taças, feria todos ao redor.
Depois disso, nenhuma passagem de ano, aniversário, formatura ou casamento deixou de contar com ao menos um brinde espumante, mesmo que com borbulhantes muito menos nobres, como a Cidra Cereser feita de maçã, muito açúcar e pouco álcool ou
Guaraná Antártica, lançado em 1921, numa jogada de marketing muito bem-sucedida, em parte para trazer aos brindes uma bebida que até as crianças poderiam brindar.
Esta historia de borbulha, no entanto, começou há ao menos 5000 anos, quando as primeiras uvas foram fermentadas e o resultado desta fermentação foi percebida. Pois, nada mais natural do que o gás carbônico no vinho ou em qualquer produto alimentar fermentado, visto que ele é resultado direto da invasão das leveduras famélicas que vivem sobre a pele do produto em questão, transformando açúcar em álcool. O subproduto desta invasão é gás carbônico.
Portanto, o gás responsável pela espuma estava lá, era preciso ter tecnologia necessária para enclausura-lo, mantê-lo preso num ambiente estável e seguro.
Gastou-se então em garrafas especiais muito mais grossas e estruturadas, em arame, em rolha cortada em cone, muito maior que a normal. E o vinho que era de qualidade comparável à vizinha Borgonha ganhou sua especificidade única, criou seu próprio apelo de venda… Os outros que o imitassem a partir dali.
Assim, a borbulha entrou na moda e mudou costumes no serviço, criou taças especiais para si.
Num tempo ainda aristocrático, diziam os cronistas fofoqueiros de plantão, as taças tinham as bocas bem abertas, modelados que eram nos seios da última rainha da França, Maria Antonieta. Era a moda de se beber espumante com menos gás possível, tanto que as pessoas de bem traziam em pingente uma colherzinha de prata para chacoalhar o líquido na taça, para que ele se esvaísse mais rapidamente. Era como se a borbulha fosse um mal inevitável, mas charmoso. Era como se o bom fosse tomar aquele vinho borbulhante quando se tornasse tranquilo, como se fora um vinho qualquer.
A partir dos anos 1970, optou-se pela taça de nome flute (flauta em francês), que ganhou este nome porque – ao contrário das anteriores – conserva ao máximo seu gás carbônico que se pronuncia em forma de bolinhas mínimas que sobem à superfície, seu grande diferencial, sua marca registrada, por mais de quinze minutos, quando a bebida é de altíssima qualidade.
Hoje em dia, discute-se a propriedade de se ter uma taça específica.
Por que não usar taças como as especiais para os vinhos da Borgonha, que num movimento insinuante tornam-se bojudas e no fim afinam na borda?
Para o Brasil, 9 vezes fora, o espumante deu um drible seco na baixa qualidade de nossos vinhos, muito antes das novas tecnologias permitirem vinhos tranquilos de qualidade por aqui. É vinho mais temprano, colhe-se antes, quando a uva está mais ácida e fresca, nem tão madura assim. Por isso, muitos optaram por esta produção. Colhe-se antes do tempo das chuvas que aguam e diluem o açúcar da fruta.
Prevendo um aumento de consumo e a aparição de novos consumidores endinheirados, a champanhesa Moet Chandon tratou de produzir fora da França, prevendo um crescimento de consumo importante. O Brasil foi um dos 3 países escolhidos, todos indicados como promissores pelos enólogos da famosa UCDavis, a única universidade pública a fazer parte da lista das 10 melhores do mundo, desde sempre: Mendoza Argentina, California USA e Campanha gaúcha Brasil.
No Brasil, no entanto, o esforço logístico sugeriu que a cantina fosse construída numa região afeita à produção de vinho, a região em torno de Bento Gonçalves, onde o custo da terra, do transporte e da mão de obra já eram bem previsíveis.
Se você gosta de produto premiado pela Jancis Robinson ou pelo Oz Clark – ambos figurinhas premiadas no mundo do vinho, cada um com dezenas de livros publicados – saiba que ela considera o Cave Geisse Brut 1998 um dos 15 melhores espumantes do mundo, incluindo todas as champanhas, e ele elegeu o Cave Geisse Rosé não datado como um dos 4 melhores espumantes rosés do mundo, em seu Wine Pocket Guide 2012.
A partir daí Almadén, Salton, Miolo, Perini, Peterlongo, Don Laurindo, Valduga, Aurora e Chandon, se misturam a outros que estão chegando como a Campos de Cima, a Vallontano, a Ponto Nero, Luiz Argenta, a Décima e tantas outras.
E não se deve olhar apenas para produtos do Vale dos Vinhedos e redondezas, como Garibaldi, Pinto Bandeira, Flores da Cunha e Nova Pádua. A Campanha gaúcha produz, com o Campos de Cima, com o Guatambu, com a própria Almadém Sta Catarina produz coisas boas, ao menos na Villa Francione e na Pericó.
Na taça Maria Antonieta, na Flute ou na taça de Borgonha, um brinde às borbulhas, uma das bebidas mais gastronômicas, charmosas, saudáveis e desejadas que nossos ancestrais tiveram a arte de cuidar e preservar.