Uma bruxa do vinho em Tupungato

Escrevi este artigo há algum tempo, não sei se publiquei. Na dúvida, ai vai de novo:

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Beto e Carola no restaurante da Suzana Balbo

Chamei o Beto Duarte para fazer um bate-e-volta para Agrelo/Mendoza, para trocar idéia com a enóloga Carola Tizio, uma pessoa que não tem muito medo de ousar, de colocar em prática ideias que estão dentro do horizonte da enologia moderna. Faz-se vinhos com apenas uma uva, seja ela Carmenère, Malbec, Cabernet Sauvignon, Pinot Noir, Nebbiolo, Syrah, Sangiovese Grosso etc. Isso todos sabemos.Robusto

Faz-se vinhos com misturas ou cortes, co

Caixa de Madeira Vicentin
Mala de carvalho com rodinhas

mo sempre são os vinhos de Bordeaux, os fantásticos de Chateau Neuf Du Pape e tantos outros como os Valpolicella.

Faz-se vinhos de vários jeitos, incluindo as peles de uvas que já foram para fazer um vinho rosé, por exemplo, para conferir maior concentração a um tinto que será fermentado.

Co-fermentar, como sempre se fez com os vinhos do Douro para preparar o Porto? Misturar vinhos de vários terroir, de diferentes altitudes, clima e solo? Usar parcelas de vinhos de alta tanicidade para melhorar a estrutura de vinhos feitos de uvas mais aromáticas?

Caixa 5º Elemento

Blanc de MalbecTudo isso é possível e a história do vinho tem vários exemplos para mostrar. O que eu não tinha visto era misturar tudo isso, numa só empreitada.

Carola trabalha para a Vicentin, uma tradicional agro-indústria argentina, que está no ramo de óleo comestível, farinha e ração desde os idos de 1920. Os Vicentin entendiam de vinho apenas na taça e na adega, mas decidiram não só produzir como por o nome da família nos seus rótulos a partir de 2009.

Criaram vinhos antes mesmo de ter uma vinícola comme il faut, trabalhando com o suporte enológico da Carola. Garantiram excelentes condições de trabalho para os enólogos, não mediram esforços e marketing para garantir o sucesso da empreitada agro-industrial. Caixa de Madeira VicentinDesde os primeiros rótulos, os resultados foram animadores, tanto que entraram na seleta lista  dos melhores argentinos, na visão de Jancis Robinson.

Sabia eu que estaria diante de uma bruxa, desde que peguei a lupa para ver como era esta caixa chamada 5º Elemento e descobri uma palavrinha nova em duas das seis garrafas que compunham a caixa: Caixa papelão Vicentinco-fermentacion. Olhando ainda mais de perto, vi que as coisas se complicavam sem parar, que cada garrafa queria apresentar um lado das alternativas, que não se descartava o que tinha ficado bom, mesmo que não estivesse exatamente no objetivo inicial.  Quem compra a caixa, fica sabendo que lá tem o resultado de um trabalho alquímico que reune 4 tipos de Malbec e mais Cabernet Franc e Petit Verdot. Tem uva principalmente de Alta Vista, mas também de La Consulta, de Tupungato e de Vista Flores. Até aí, mistura de uvas de diferentes terroirs. O que fica parecendo coisa de  caldeirão de bruxa, é o que vem depois, porque estas uvas vindas de 4 lugares espalhados por Mendoza são misturadas com parcelas de Cabernet Franc e de Petit Verdot para fermentarem juntas, se as condições de maturidade de cada parcela permitirem!

Dentro da caixa, duas garrafas apresentam o resultado da combinação inteira e se chamam Malbec Blend – 14,9% de gradação alcóolica e 10 meses de madeira francesa de primeiro e segundo – 96% malbec, 2%Petit Verdot, 2% Cabernet Franc. São mix de vinhos de 4 terroirs – San Carlos, Tupungato, Lucan de Cuyo e Vale de Uco. Das outras quatro garrafas, sempre afinadas na mesma madeira e no mesmo teor alcóolico, duas são de Back Bone, as misturas desde a co-fermentação. E as outras duas, uma varietal Cabenet Franc, outra Petit Verdot. Com isso, pode-se ter uma aula completa de como se faz um blend e não é a toa, porque esta enóloga é apaixonada pelos vinhos em corte, em assemblage, em blend, por mais que goste da sua Malbec, como ela nos afirma, falando para a câmara do Beto – Los mejores vinos son blend!

Todos os vinhos se mostraram bons, redondos, elegantes, aromáticos, mas uns se mostraram melhores que os outros. VICENTIN-ROBUSTONo meu caso, o maior destaque foi para o Robusto 2013, com seus 30% de Cabernet Franc, completando o todo com o mix de Malbec.

Uma fineza de vinho, uma prova que o Malbec  se comporta bem em presença de outras uvas que o complementam. Os outros todos se mostraram bem, particularmente o tal BackBone, o vinho do estranhamento inicial, o que é feito a partir da co-fermentação de apenas 10% de Malbec, com 30% de Cabernet Franc, Petit Verdot e Cabernet Sauvignon.

É até mais largo do que do que o Robusto, mas fazer o quê, minha tendência por Saint Emilion me aproximou daquele mais do que este típico Paulliac!

ucdaviesCarola tem teoria. Apesar de falar tão bem dos vinhos compostos por mais de uma uva quer fazer um vinho de estilo mais americano, mais redondo e pronto, menos francês, menos de guarda. Quer concentração, quer complexidade… Desde a fermentação! Defende que, se quisermos ter um vinho único, se quisermos ganhar aromas inusitados complementares ao Malbec, podemos conduzir as melhores uvas a um papel complementar, que há de se apresentar no tanque, antes mesmo do afinamento.

Carola é filha de Carlos Tizio, o primeiro latino americano a se formar na UC Davis, a University of California Davis, conhecida como uma das 10 melhores universidades do mundo, a única pública. A mesma que mostrou ao mundo na década de 1970 a importância dos paralelos na produção dos melhores vinhos, a mesma que hoje contesta cientificamente o uso atomizado do conceito de terroir. Filha de peixe, peixinha é, foi aprovada com louvor em sua tese de mestrado – na mesma UC Davis – sobre consequências do deficit hídrico e do racionamento de cachos de uva por planta.

IMG_2510Além dos vinhos da caixa 5º Elemento, tivemos oportunidade de experimentar, os maiores vinhos da casa, os Malditos, vinhos que têm a mesma pegada alquímica, só que com 24 meses de madeira francesa de primeiro e segundo uso. Mesclas de 3 safras em cada garrafa, misturando tudo como fazem os blend clássicos Vicentin, acrescidos de verticais embutidos na mesma garrafa – tivemos o Maldito 2011/12/13 e o Maldito 2012/13/14.

Definitivamente, Carola é uma bruxa que não tem medo de complicar e complicar e complicar de novo, desde que isso lhe traga um resultado sempre melhor.

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