Às vésperas da VinItaly, estudo o que vou querer ver mais de perto.
Vinhos que vale trazer para o Brasil, produtores que não estão por aqui, vinhos de determinada faixa de preço, vinhos/commodities, vinhos quase inéditos, como um Negrette, como um Rufete, como um Nerello di Mascalesi…vinhos e uvas que jamais ouvi falar.
Nem todo mundo prefere as grandes feiras de vinho que acontecem no mundo inteiro. Elas geram multidões, obrigam preparo físico de maratonista, fazem com que o visitante queira aproveitar todos os momentos, porque algum vinho excepcional pode escapar.
Nestes casos, quase sempre, preparo-me tematicamente. Escolho na feira o que quero priorizar e só depois de esgotar o tema, dou-me o direito de passear flanando pelos vinhos de qualquer tipo ou lugar. O tema pode ser uma determinada uva, uma determinada região, uma faixa de preço. Não importa, é preciso tematizar, o que sempre significa perder alguma coisa, porque há muita preciosidade que está fora de seu projeto principal.
Se o tempo fosse infinito, o melhor seria sempre o inverso, conhecer um universo por vez, mesmo que ele seja mínimo, uma vinícola, uma uva, ganhar intimidade com aquele projeto, saber porque aquele produto foi feito, o que levou o enólogo a deixar seu vinho tanto tempo em madeira ou em inox, ver os resultados com tempo para refletir.
Digressão feita, nada melhor do que ter poucos e bons para conhecer, a expo numa medida justa.
Este foi o caso da WorldWine Experience Península Ibérica 2017. Seis produtores espanhóis, sete portugueses.
Entre cavas, brancos, rosados, vinhos naturais e biodinâmicos e vinhos fortificados, elegi começar pelo tinto mais barato de cada produtor.
No quesito preço, os campeões indiscutíveis foram um Dão, o Vale da Ucho por R$44,00 e o Borsao Classico, R$46,00. Enquanto o primeiro se apresenta com o típico desleixo no marketing, não tendo sequer uma ficha técnica que nos ajude a posicionar corretamente seu vinho, o segundo – filho jovem de vinícola emblemática que é – tem tratamento totalmente diferenciado.
Sabemos do Vale da Ucho, apenas que o nome se refere a um período anterior ao absolutismo, quando o rei local guardava sua melhor produção em uma uchas, adegas particulares (?). Sabemos que o jovem Borsao é da família da Bodegas Borsao, dito por Robert Parker em 2016 como sua vinícola preferida no mundo, quando se trata de value for money. Sabemos que é um vinho feito das uvas Garnacha, Cabernet Sauvignon e Tempranillo, tendo à testa a uva mais importante da Bodega, a Garnacha que uma vez foi mais importante em kg e ha que a Tempranillo na España de então. Hugh Johnson faz coro a R.Parker – ou vice-versa – ao incluir seu 3 Picos entre um dos 101 melhores vinhos do mundo (R$198,00).
Mas o pequeno preço é uma espécie de anticlímax em se tratando de uma exposição que apresenta produtos que fazem consumidores se apinharem em filas intermináveis na porta do evento. A oportunidade de experimentar um Carm, um QV Dona Maria, e principalmente um Wiese&Krohn Vintage 1957 ou 58, ambos de R$5.500,00 a garrafa excita mais do que qualquer coisa que vista meias de seda.
Por isso, comento aqui o que me pegou.
Como notas de prazer múltiplo, os grandes da Quinta do Vale Dona Maria. Mesmo o pequeno Rufo tinto, de menos de R$100,00, é vinho pra ninguém botar defeito, com sua mescla de Tourigas, com 12 meses de passagem por carvalho francês de vários usos.
Contrariando as notas dos críticos americanos citados, os pícaros da glória ficaram para o 2012 (R$438,00), algo acima dos 2013, do Three Valleys 2013 (R$231,00) e dos Vinha Francisca 2012 (R$644,00), do Vinha do Rio 2012 (R$1012,00). Exuberantes, de uma elegância incomparável, de uma tipicidade até duvidosa, porque é preciso paciência para entender que estes vinhos são de um Douro, que uma vez produziram a tempos deleites como Barca Velha e CRF*. No começo, vinhos que poderiam bem se passar pelo que se fez de melhor em Pomerol, para então se mostrar claramente português.
São 14,9% de álcool que se derretem na boca, mistura de 41 castas, entre elas o Rufete, a Tinta Amarela, a Tinta Francisca, o Sousão, a Touriga Franca, a Tinta Roriz e muitas outras típicas do Douro, procedentes das vinhas velhas da Quinta Vale D. Maria, com idades superiores a 60 anos; a malolática é feita condicionada a barris de 220 e 300 litros fruto de mestres da tanoarias de Bordeaux, para depois estagiarem por 21 meses em madeira francesa (75% de primeiro uso). Um arraso, bom como um Ausone. Mais pronto.
Depois de tanto elogio, sem fôlego para falar bem de mais alguém, resta citar outros tantos que fariam as vezes do melhor, se lá não estivesse tamanha qualidade quinteira.
Em pé de igualdade, há de citar o Marquês de Murrieta Gran Reserva Ltda Edition 2009 (R$264,00) e o Castillo Ygai Gran Reserva Especial 2005 (R$814,00).
Este último, conquista com seu rótulo original do século XIX e derruba as resistências com seu vinho de estrutura falsamente apenas tradicional… Falsamente porque apesar das uvas Tempranillo (+ de 80%) e Mazuelo, passarem ambas por 28 meses de madeira, cada uva estagia em madeira de origens diferentes: A Tempranillo por uma delicada e surpreendente madeira americana, a Mazuelo por uma bordolesa! A partir da assemblage feita em concreto, num descanso de 6 meses, os dois anos seguintes se passam em garrafa, (quase) tudo se dá conforme a tradição.
Injustiça não citar algumas outras bodegas que lá se apresentaram.
Nada contra as naturais e biodinâmicas, particularmente a Valderiz, que faz o Valdehermoso Crianza (R$174,00) e o Valderiz Juegabolos (R$352,00), vinhos sem defeitos e modismos, com finais nobres e complexos.
Ou o Herdade de Rocim, cujo vinho de entrada, o Mariana Tinto (R$65,00) me deixou uma impressão tão gratificante quanto o Herdade 2012 (R$109,00);
Ou o Vivanco, que conheci em todas as suas dimensões, incluindo seu Parcelas de Graciano 2007, que se mostrou um vinho com grande especificidade, elegância e tensão; ou o Carm que veio pra briga com o Maria de Lourdes 2011, um Douro diverso, nobre, importante.
*O melhor vinho que tomei em minha iniciação vinífera, um Carvalho Ribeiro Ferreira 1948 (engarrafado em 1952, 4 anos de barrica francesa) em 1978. Parece que a gigante que comprou a vinícola se esmerou em terá-la de linha.