Uma viúva deliciosa

Escrevi para a revista VIV de DEZEMBRO – 2007 um artiguinho sobre a Veuve Clicquot. Tratava-se de revista dirigida a gente com mais de dez lustros.

Faz tempo, mas tenho a reparar apenas os exemplos brasileiros que cresceram muito ou eu cresci e agora sei que são muito mais e mais importantes.

Tantos anos depois, me dou conta que a Veuve Clicquot podia bem ser chamada também como a Viuva Publicitária, tanto soube inovar, conquistar públicos novos, descobrir-se popular e atual. Copio algumas imagens, a grande maioria do século XX.

 

Por Breno Raigorodsky*

 

Nós, leitores desta revista, merecemos mais prazer e menos compromisso, por tudo que já cuidamos de nossos pais e de nossos filhos, por tudo que fomos responsáveis socialmente, por tudo que tentamos fazer para melhorar a qualidade de vida de nossos pares etc.

Merecemos sim, todos nós, o prazer de fechar o ano com chave de ouro.

Por exemplo, podemos levar uma viúva maravilhosa para casa, primeiro para a mesa e quem sabe para tantos outros cômodos mais íntimos.

Sim, uma viúva tão especial que dificilmente se leva a um restaurante, seja por causar inveja incontrolável a outros comensais, seja porque está acima da qualidade de atendimento de 99% dos lugares para os quais você ou eu poderíamos levá-la. Seja ainda porque você não quer se sentir obrigado a compartilhar a experiência com toda a malta.

Veuve Clicquot, Viúva Clicquot – Madame Clicq para os mais íntimos – é a divina borbulhança que o homem mantém renovável, mostrando que a sustentabilidade no hedonismo existe há, ao menos, 232 anos, muito antes dos economistas começarem a discutir o termo “desenvolvimento sustentável”.

Tecnicamente falando, ela não é mais do que um champanhe, nome insuficientemente nobre para classificá-la, mas voilà.

Tecnicamente falando, ela vem sendo refeita com as uvas de todos os champanhes, ou seja, Pinot noire, Pinot meunier e Chardonnay, excetuando aquelas feitas exclusivamente de uva Chardonnay, ditas Blanc-de-Blanc. Ela é uma das ocupantes, no nascedouro, das superfícies consagradas ao plantio da uva, França afora, de acordo com a lei consagrada à viticultura de 22 de julho de 1927. Reserva-se 3% de toda a área de plantio viti-vinífero do país aos produtores do vinho conhecido pelo nome exclusivo de Champagne, nos arredores da Montanha de Reims, acima de Dijon, direção nordeste de quem sai de Paris, na verdade um planalto que se inclina delicadamente em direção aos vales de la Vesle e Ardre.

Madame Clicq rose é assim como as outras, só que sua Pinot Noir entra no liquidificador com mais de 50%, o que lhe dá este tom de rosa pálido, que a cor que Madame criou nos idos do fim do século 18, depois de um porre daqueles, dizem. E não pense que toda rosé é como ela, porque a cor pode ser conseguida por uvas tintas menos nobres.

Você vai me dizer, mas há tantas outras que jamais casadas foram, quanto mais viúvas… Outras, prontinhas para o consumo, no sentido bíblico do conhecimento. Ed é vero, são tantas produzidas por lá, no mínimo tão boas quanto aquela.

Seus nomes borbulham na boca de todos nós e pesam em nossos bolsos, a começar com as Möet Chandon, Taittinger, Gosset, Bollinger, Cristal e Pol Roger. Essas e tantas outras rivalizam no preço e muitas vezes até no charme, desculpem os fetichistas de plantão.

Pior do que isso, no afã de imitá-las, o mundo engarrafa produtos de qualidade quase tão boa, como os espumantes da Franciacorta italiana que são feitas com as uvas e o método idênticos e – pasmem – com qualidade suficiente para confundir muitos especialistas em testes cegos.

Furos muito abaixo, com a aparência garrafal de um champanhe – incluindo aí aquela amarração de metal que impede a rolha explodir a um indesejável sacolejar mais intenso – com a nítida intenção de confundir o comprador ingênuo, o mundo produz arremedos em todos os sentidos. Os mais bem sucedidos atualmente são os Cavas catalães e os Prosecco vênetos, mas há para todos os gostos, origens e bolsos, líquidos engarrafados, gaseificados e com aparência de champanhe.

Furos acima, a região da viúva domina amplamente os produtos “petillant”, como dizem os franceses. Estes seguem um ritual centenário, que mistura a quantidade de cada uva que entra na mistura (l’assemblage de cépages), na mistura de produtos de diferentes terrenos produtivos (l’assemblage de crus) e na mistura de produtos de anos diferentes. É uma mistura digna de um festival hippie onde ninguém sabe de quem é quem. E ainda mais, cada tipo pode se misturar com uma certa quantidade rigorosamente determinada de açúcar, para ganhar a classificação de natural ou extra-brut, brut e demi-sec.

Mais ou menos, produtores do Novo e do Velho Mundo seguem a receita francesa na quantidade de açúcar adicionado para produzir a segunda fermentação. Menos do que mais, seguem também o demorado e custoso processo de fazer na garrafa, virando cada uma delas ¼ de rotação ao dia, até que ela se dê. Mais simples e econômico é provocar esta segunda fermentação ainda nas cubas de fermentação, que transformam a massa de uvas em vinho.

E se você anda pouco exigente e está longe de ligar para viúvas de nome difícil, se seus parentes e amigos não estão nem aí para essas coisas, pode ser extremamente excitante descobrir o espírito cívico nacional nos espumantes do Vale do Vinhedo que andam a surpreender na qualidade… e no preço, porque não são tão baratinhos assim!

Os grandes produtores do Vale do Vinhedo usam copiar todas as fórmulas européias e fazem isso razoavelmente bem, a ponto de ser o espumante o mais respeitado produto da região, enologicamente falando. Tanto que vários produtores estrangeiros escolheram em sua plataforma de produção o Brasil para o espumante e Argentina para o tinto.

O exemplo mais notório é da multinacional Möet Chandon, que faz sua linha Excelence brut normal e rosada vinhos de qualidade internacional. A qualidade do Prosecco e do Espumante Brut pelo método tradicional (champagnoise), da Salton, anda deixando rugas nas testas dos exportadores italianos, que olham com preocupação o nascimento de um concorrente. A Miolo, a Aurora, a Almaden Remi-Martin, Valduga, Don Laurindo e mesmo outros tantos fazem surpreendentemente direitinho, como é o caso da linha Décima da Piagentini.

Pronto, acabou o espaço para fazer esta incursão infindável no mundo da bebida mais charmosa e festeira, a partir de seu ícone máximo em charme e benefício.

Viúvas, virgens, com safra datada ou mistura de colheitas, rosadas ou brancas, mais ou menos secas, a champanhe está aí para servir de memória degustativa de todo bom fim de ano desde que o prazer do gosto se tornou necessidade.

 

Breno Raigorodsky, 58 anos, filósofo, publicitário, embaixador do
vinho e da comida, escreve regularmente sobre turismo, enologia e
gastronomia.

Um comentário em “Uma viúva deliciosa

  1. Obrigado, Tovarich.
    Vou roubar o Madame Clicq.
    A única foto que vi da Madame, ela é baixinha, gordinha e mal encarada. Deliciosa, no sentido de outros líquidos, só o falecido poderia dizer,e só ela poderia saber.
    Mas, com um duas garrafas, preferiria ela do que a Roseana, só se seu papi me desse uma prainha.
    Beijo

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