NERELLO MASCALESE, UM VINHO NA MAGNA GRECIA, DEBAIXO DAS LAVAS DO ETNA

os concorrentes na degustação. Um vinho surpresa + 4 Nerelli abaixo dos R$500,00 no mercado de SP. O vinho de Eli 2008, Feudo di Mezzi foi – de longe – o grande vencedor.

Antes de entregar os textos do Cofee Book Table “Vinicolas de Charme – Itália” que escrevi em parceria com a Patricia Jota, em 2012, procurei o decano do vinho brasileiro José Oswaldo Albano Amarante, para saber dele se faltava muita coisa nos meus textos de abertura de capítulos regionais.

Nerello em pé franco

Tudo visto rapidamente, ele me disse polidamente ” Falta o Nerello Mascalese no seu livro. Nerello é uma redescoberta, é uma das três uvas italianas mais importantes, fazendo grupo com a Sangiovese e a Nebbiolo, ela não pode faltar “.

Desde então, tenho me esmerado no conhecimento desta uva, particularmente quando tenho oportunidade de prová-la na Itália, onde estive nos últimos cincos anos algumas vezes, particularmente para participar das Vinitaly em Verona.

Confesso que ainda não me satisfez totalmente, esta uva que vem com todo este charme de redescoberta, de ter substituído as grandes de Europa em época de Filoxera, de ter ainda plantações em pé Franco, mesmo nos dias de hoje, videiras de baixo rendimento e alta concentração.

Confesso que espero mais desta uva, pois se na literatura ela me conquistou, na boca ainda não, eu que sou fã não apenas dos vinhos da Borgonha, mas de outros tantos vinhos leves e ácidos, como os polêmicos Grignolino e Primitivo di Salento.

A degustação às cegas era quase desnecessária, porque a litragem do pessoal em matéria de Nerelli era baixa mesmo.

Sabia-se da semelhança que os vinhos produzidos com esta uva tinha com os Pinot Noir, desde o pouco suco/planta, delicadeza da pele, tom de vermelho: intenso, quase granado, com acidez, taninos elegantes e uma mineralidade presente.

Sabia-se que ela se dava nas encostas do vulcão Etna, em terra negra rochosa e areia basáltica, entre o vulcão e o mar, na planície de Mascali, de onde vem seu nome.

Traduzi livremente um artigo de Alessio Turazza, escrito para a revista Gambero Rosso, publicado em janeiro de 2015.

Por ele todos souberam que:

  • A encosta norte oriental do vulcão tem um clima único em comparação ao resto da Sicília. Os vinhedos são cultivados entre os 400 e 1.000 metros do nível do mar, alguns ainda a pé franco (pré-filoxera).
  • As mudanças térmicas entre dia e noite podem atingir no verão até os 30ºC, favorecendo o desenvolvimento do perfil aromático da uva.
  • A brisa marítima atenua a temperatura. O terrenos, fruto da sucessiva erupção milenar, apresentam um forte componente mineral, que muda de um lugar para outro, por conta da composição química do basalto.

Tão importante quanto suas características físicas, as suas razões históricas:

  • A região teve seu desenvolvimento máximo no período da filoxera, pois o terreno arenoso impedia o pulgão de destruir a plantação. Em pouco tempo, as encostas do vulcão se tornaram palco de uma das maiores plantações da Europa.
  • Com o fim da filoxera, o Etna voltou a seu anonimato e só agora recentemente, graças a poucos produtores visionários os vinhos do vulcão reaparecem, em particular esta autóctone Nero Mascalese. Iniciou-se assim a recuperação histórica destas vinhas de arbusto, um sistema de cultivo utilizado pelos antigos gregos, que permite ao vinhedo crescer rotegido do vento e conservar a umidade da base da planta. Os implantes muito densos e o baixíssimo rendimento, contribuem para gerar vinhos de extrema elegância e classe.

Finalmente, sabíamos pelo artigo que a uva Nerello Mascalese amadurece tardiamente, a colheita é feita para lá da metade de outubro. Para o vinho é sempre necessário um forte trabalho de seleção das uvas, com poda bem rigorosa.

Apesar da cor intensa o vinho costuma ser bem transparente, resultado da presença modesta dos polifenóis. Os aromas são finos, prevalescem as frutas vermelhas, além de um tom de especiarias particular; na boca acidez sempre presente, taninos elegantes, com um tiro de mineralidade, devido ao terreno vulcânico.

A Degustação

Anotações dos participantes + o vinho campeão


Como sempre fazemos, e degustações as cegas, degustamos sem comida e com comida, participando e vivenciando como o paladar se altera nas duas situações. Aqui fomos mais longe, visto que a degustação era acompanhada por um Penne a la Norma – massa típica da região de Catania – onde o molho de tomate é complementado com berinjela frita em pedacinhos e ricota seca ralada.

Se na primeira passagem, os vinhos mais perfumados tinham destaque, nesta segunda, andavam para trás na avaliação dos participantes.

Mesmo na comparação com o segundo prato, quando o macarrão curto deu lugar a uma carne grelhada com verduras grelhadas, o quadro novamente se alterou.

Com apenas uma única exceção: o Le Vigne de Eli, Feudo di Mezzo, manteve-se sempre à frente.

Nesta matéria de unanimidades, costumo seguir o Nelson Rodrigues – ela é invariavelmente burra e nos leva a posições ruins. Mas aqui não tinha como fugir:

Quando, na primeira prova, avaliava-se o aroma do vinho recém aberto, sua cor, o conjunto de suas características na boca de modo detalhado, o Feudo foi campeão.

Penne alla Norma, na degustação – foto Fabio Pimentel

Quando no segundo caso, o molho de tomate pedia um vinho com suficiente acidez e presença na boca para resistir e confrontar e complementar o molho complexo, com salsão, vinho branco, noz moscada e pimenta Caiena (uma liberdade do cozinheiro), o mesmo vinho foi o campeão.

Finalmente, quando a carne e os grelhados espartanos exigiam do vinho um comportamento de verdadeira harmonização, onde a boca não pedia dulçor, mas firmeza; onde a cebola grelhada, o pimentão e a batata de forno mantinha o chamuscado como grande atrativo, o campeão esbanjava discrição, sabendo comportar-se como quem conhece a arte de estar junto, de socializar.

Como costuma acontecer, todos os vinhos cresceram na hora dos queijos como a Provola Dolce e o excelente Gorgonzola assinado com a marca da Casa Flora. Mesmo os que tinham notas baixas, sempre pelo ardil que os lácteos provocam nos vinhos que tiveram completadas sua fermentação malolática.

Finalmente, reitero, no entanto, a impressão geral que, apesar de todos os elogios possíveis a todos os vinhos participantes, foi um tanto decepcionante, pois o conjunto não nos permitiu grandes esperanças nos vinhos com esta uva tão bem falada neste milênio. Ou seja, confesso que esperava mais.