Eu que nunca fui para a Austrália tentei escapar da sua força no mundo do vinho, mas depois de arrombar as portas das nossas degustações especializadas em Velho Mundo e escancarar o Novo Mundo a partir da Califórnia e Chile, joguei a toalha.
A Austrália nunca esteve para brincadeiras, por isso pretendi me preparar com aulas dadas pelo famoso Ken Marshal, fundador da importadora KMM, um homem que mesmo casado com brasileira e morando no Brasil há anos, jamais conseguiu falar português. Voltou para sua exótica terra sem a mulher e sem conseguir me formar em Australian wines, que, apesar de tantos encontros, continuei conhecendo pouco demais.
Mas a nobreza se impõe e nestas tantas experiências pude reconhecer a qualidade indiscutível nesses vinhos, que nos pega pela irreverência dos rótulos, pela ousadia da escolha do tapo metálico – screwcap – mas, sobretudo pela qualidade.
Como se impôs nesta degustação que fizemos na segunda feira passada, dia 04 de maio, no NbSteak do Arri Cozer, ex-Fogo de Chão. Carnes e serviços perfeitos à parte, saímos todos reverenciando a qualidade indiscutível dos vinhos da terra dos cangurus, dos ornitorrincos e outros bichos de praia e surfe.
Aqui, um reparo de ordem econômica se faz necessário – não foi, como jamais é, uma degustação sem limites de preço, os vinhos costumam estar numa faixa de preço suficiente para garantir uma amostra de tipicidade e potencial. Portanto, não fomos degustar vinhos como o Grange da Penfold, quem sabe o melhor vinho do mundo, pois resistiu a um teste com cinquenta safras, de 1955 a 2005 com louvor para todas elas, como se pode perceber no video de comemoração do ocorrido,
que pode realizar uma degustação vertical de seus 50 anos tão importante, que provavelmente não pode ser acompanhado sequer pelos grandes monstros franceses e italianos, na regularidade de seus safras, na qualidade de todas elas, como foi fartamente documentado pelos jornalistas que dela participaram.
Obviamente não temos bala para Granges, um vinho que baixa o taxímetro em R$2760,00 em sua edição de 2005, à disposição na Mistral.
Mas ficamos numa área em torno dos R$200,00, aproveitando-se de promoções que fazem com que este dinheiro renda vinhos que na tabela aparecem custando mais de R$300,00! Vinhos que fossem conduzidos pelo Shiraz, para que tivéssemos uma referência comparativa clara. Digo isso, porque andei experimentando grandes cabernet sauvignon e ótimos pinot noir feitos no novíssimo continente e não quis por na jogada fatores que confundiriam ainda mais nossa avaliação.
Aos vinhos: dos brancos, apenas um da Austrália, um vinho agradável na boca, um Tatachila muito simples e jovem, cuja refrescância foi aprovada pela maioria dos degustadores. Um corte bordalês, sauvignon blanc/semillon com apenas 10,5% de álcool, uma proposta de vinificação que nem de longe lembra os vinhos de Graves. R$85,00 na tabela, caro demais para o meu gosto. Principalmente quando comparado aos dois outros brancos, duas jóias da Cordilheira de Santana – um chardonnay 2005 que se mantém extremamente fresco e atual que custa R$72,00 e um gewurzstraminer 2012, adocicado no primeiro gole, mas caminhando na boca para uma complexidade rara em vinhos brasileiros… A ver se atingirá a qualidade de versões anteriores – R$63,00.
De intruso, escolhi um vinho muito bem avaliado pela crítica, um vinho que nada tinha a ver com a linha mestre shiraz da degustação, um Monastrel Tarima, da Bodega Volver, exclusividade de importação Grand Cru. Ele recebeu 3 votos na primeira passagem sem comida, apenas 1 voto na segunda passagem, típico resultado para vinhos que mostram ótimo nariz, e madeira aparente em degustações sem harmonia, mas que destoam toda vez que devem enfrentar uma comida mais exigente.
Os outros 5 vinhos que compuseram a degustação foram adquiridos na importadora KMM. Pela ordem na apresentação:
Saint Hallett (Austrália do Sul) Faith Shiraz 2004 – R$169,00. Vinho muito evoluído, um dos preferidos da degustação, com 5 votos sem comida e 4 com
- Down Under Shiraz 2012 da Calabria Westend – R$51,00. Um vinho tipicamente novomundista, de entrada, fácil de beber, mas evidentemente fora da turma. Mesmo assim, ganhou ótima pontuação na primeira passagem (sem comida) com 5 votos, para chegar na segunda passagem sem qualquer indicação.
- Tarima, já comentado – R$53,00.
John Duval Entity 2007 Barossa Valey 14,5%, 17 meses de madeira francesa e americana, de 1º a 3º uso – R$330,00. John é um dos pupilos diletos do criador do Grange, tendo trabalhado na Penfold por quase 30 anos. Talvez com identidade demais, foi um dos piores avaliados, o que demonstra o quanto costuma ser cruel uma degustação – recebeu apenas 1 voto sem comida e 2 com comida – quando não há dúvida que ocuparia um bom lugar entre os melhores vinhos da Austrália. O próprio John Duval quem sabe dê uma explicação, ao dizer que pretendeu construir um vinho de total identidade com Barossa Valey e
quando você vai para a especificidade, nem sempre atinge o paladar geral, genérico, coletivo, mediano.
O Tatachila Keystone 2004, da Austrália do Sul, de R$139,00 foi o grande campeão, com seus 15% de viognyer, copiando a fórmula do norte do Rhone, Hermitage, Cote Rotie e companhia (somente Cornàs não se permite a devaneios assim) de diluir e domesticar os taninos do syrah prevalente. 10 votos na primeira passagem, seis na segunda, ganhando no photofinish, o prêmio de campeão.
- Fechamos com o Watershed Shiraz 2001 da Austrália Ocidental, 14,5% de álcool, 18 ,esse de madeira francesa e americana, super premiado na Austrália – R$210,00, com ótimos 6 votos sem comida e mais 6 com comida.
Concluo dizendo que nosso grupo saiu bastante satisfeito com a prova, seja pelo ambiente, pela comida e pelo serviço, seja – principalmente – pela qualidade dos vinhos apresentados. Um pouco porque, conseguimos mesclar grandes vinhos de guarda bastante evoluídos, com vinhos menos pretensiosos e não por isso piores, como demonstraram os vinhos mais jovens e de custo menor. Pena que os australianos, como os americanos são super precificados, custando demais para os nossos bolsos, porque qualidade há.