Oitava edição do Encontro Mistral 2006 – Grand Hyatt São Paulo
Até por dever do ofício, estou alerta para detectar o diferente, em meio a tanta mesmice que permeia o mundo do vinho.
Sou dos que defendem a diversidade com unhas e dentes, VanGogh, Picasso ou Bruegel ao mesmo tempo, todos no maior nível de excelência, cada um com sua proposta.
É por isso que dá prazer anunciar demonstrações de vida inteligente aparecendo nos bolsões produtivos do vinho.
Algumas coisas vão se generalizando, por exemplo, um cuidado cada vez maior com defensivos e herbicidas, que tanto mal fez à terra agricultável e aos aparelhos respiratórios do trabalhador na terra, assim como aos aparelhos digestivos dos consumidores.
Uma procura cada vez mais apurada de novas uvas velhas, novos terroir para experiências diferenciadas, novas técnicas e materiais para se fazer o que já se fazia antes. Uma vontade de aprender técnicas de algures, de preencher lacunas mercadológicas, sem contudo descartar o apreendido pelas gerações anteriores.
Sim, porque vinho, além de ser prazer e produto da terra, ao mesmo tempo é mercado, desde que este se formou, objeto que necessita cumprir os ciclos de reprodução da economia capitalista para se realizar. Ou seja, decisões sobre novos produtos são testados pelos mestres da enologia, pelos proprietários das cantinas, mas têm seu teste final na taça do consumidor.

Roberto Stuchi, enólogo chefe, herdeiro da vinícola Badia a Coltibuono, um cara que tem conhecimento de um professor universitário de história, que parece um aristocrata e tem a mansa simpatia de um bem sucedido vendedor.
A Badia a Coltibuono, equidistante a leste de San Gimignano e Siena, no coração da região denominada Chianti Clássico, é a primeira a cumprir a promessa de praticar agricultura dita biológica, sem defensivos agrícolas e pesticidas entre as grandes da região.
Seus vinhos procuram o que há de melhor, seja em uva, seja em terra, seja em cantina, sem esquecer a tipicidade e a continuidade de seu jeito tradicional de fazer vinho. Faz o necessário para criar vinhos desde a entrada no mercado como os jovens Sangiovese Cancelli, até os mais pomposos e clássicos, vinhos no limite das possibilidades de nobreza, como é o caso dos Riserva Bio e Sangiovetto.

Encanto-me com as uvas que dividem espaço com a quase sempre protagonista Sangiovese, como no caso do vinho Montebello: Mammolo, Ciliegiolo, Pugnitello, Colorino, Sanforte, Malvasia, Canaiolo, Fogliatonda. Algumas destas uvas vinham sendo esquecidas e abandonadas para a extinção, mas resultam em vinhos muito bem aceitos pelo mercado.
Diz Roberto, respondendo à minha pergunta sobre a ocupação da terra em vinhas
- A maior parte dos vinhedos vai para o Sangiovese. Canaiolo, Ciliegiolo e Colorino em pouco espaço para cada, 3 ha todos juntos. 1,5 ha para Mammolo, Fogliatonda Pugnitello, Malvasia Nera e Sanforte. Para fazer o Vin Santo, com as uvas específicas, aproximadamente 4,5 ha.
Surpreendo-me com as altas porcentagens de álcool em seus vinhos, muitas vezes acima dos 14%. A resposta do enólogo é ainda mais surpreendente:
- não procuramos fazer vinhos com esta intensidade alcóolica, mas as mudanças climáticas nos levam a isso. Na verdade, não damos importância tão grande a este item, por mais que haja tendência mercadológica a identificar o vinho mais ou menos pesado a partir deste quesito. Pois buscamos fazer vinhos elegantes e de excelência, sem olhar para a ficha técnica.
Enveredamos para uma conversa acadêmica, a partir do momento que me surpreendo com a composição do IGT Sangiovetto, o mais caro dos seus vinhos
- 100% Sangiovese e é IGT? Antes era necessário ao menos 80% desta uva, non è vero? De acordo com o site http://www.chianticlassico.com “Il Chianti Classico é produzido com Sangiovese em ao menos 80% (ma anche utilizzate in purezza). Pode-se usar outras uvas no blend, exclusivamente de uvas tintas, a partir das autóctones Canaiolo Nero e Colorino, mas também as principais internacionais como Merlot e Cabernet Sauvignon”.
– As características denominadas são mutantes, nestes 300 anos, desde que o Granduca Cosimo III di Medici decidiu delimitar alguns terrenos para a produção de vinhos de alta qualidade. Il Sangioveto nasceu em 1980 e a naquele ano não se permitia produzir o Chianti Classico apenas com a uva Sangiovese. Nel 1996 a regra foi mudada e desde então é permitido fazê-lo 100% Sangiovese. Desse então decidimos manter o Sangioveto como IGT, até porque perderíamos o nome, visto que não se pode usar o nome da varietal no rótulo do Chianti Classico e o vinho já estava consagrado (N.A.- Sangiovetto é um dos nomes dialetais toscanos para a uva Sangiovese). Outro motivo é que além de um certo preço é mais fácil vender um IGT‘supertoscano’. Estes são os motivos que mantivemos o vinho como IGT apesar de ser Sangiovese ‘al’ 100%.
Assim ou assado, dos vinhos que provei, alguns estão entre os melhores, particularmente o chianti clássico riserva.
Finalizo perguntando sobre o Trappoline, um vinho branco de 13% de álcool, com 4 meses em contato com as leveduras, a partir das uvas Sauvignon Blanc e Chardonnay.
– Não há uvas brancas autóctones que mereçam um rótulo da Badia, além do vin santo? O trebbiano dá vinhos razoavelmente estruturados, não dá? Lembro do Soave, lembro dos vinhos di Garda…
Na verdade esta interrogação me persegue. Há anos fiz colocação parecida ao Pio Boffa, presidente da Pio Cesare, que faz Langhe, Barolo e Barbaresco, recebeu com certa irritação o mesmo gênero de pergunta: – por que dois chardonnays, com leveduras selecionadas, por que não um tratamento tão sério com os brancos como se tem com os tintos?
Parece que igualmente não consigo entusiasmá-lo a ponto de receber uma resposta. A tradição por grandes vinhos brancos, como se vê na França, Alemanha e Austria, como se vê no Alto Adige, não impacta o suficiente meu entrevistado.
Se e quando Roberto responder, publico na integra (espero que ele me anuncie um novo produto à base das uvas autóctones!)