
Evidentemente, seria possível e até legal fazer uma entrevista com cada um dos tantos produtores que passam pelo Brasil, como um pouco faz colegas como o Beto Duarte e o Didu Russo.
Ou então, é possível esgotar os comentários sobre todos os vinhos de cada um dos ditos cujos, fazendo avaliação deles, um a um, como fazem Jorge Lucki, Jorge Carrara, Pagliari, Eduardo Milan, Santamaria e tantos outros que considero e admiro.
Admiro mas não tento imitá-los. Me encolho num canto do mercado, procuro entender apenas alguns dos caras que passam por aqui ou que tenho a oportunidade de comentar lá fora. Escolho um tema que me parece possível, de acordo com as minhas forças e meus interesses, com a certeza que não tenho forças, atenção e método para processar tamanho empreendimento como o deles.
Aproveito para comentar uma apresentação recente da Qualimpor como exemplo. De vinhos da grandeza da Quinta do Crasto, Ameal, Esporão, de azeites de várias matizes portuguesas, elegi encontrar em cada um dos expostos o vinho mais gastronômico e aquele que mais cabia no meu bolso.
A tese defendida foi – falo com gente que compra vinho acima de R$200,00? Interessa ao meu público saber que existem vinhos inatingíveis? Sim, interessa sempre, mas interessa também um comentário concentrado no vinho acessível, aquele que se pode provar sem tanto esforço; interessa o vinho gastronômico, aquele que traz grandes novidades. Acabei caindo nos braços Reserva Tinto Esporão entre todos os tintos, por mais que um valor de R$170,00 esteja longe de ser barato! E sem ser totalmente contraditório, não pude deixar de me espantar com a qualidade dos Loureiros da Quinta do Meal, um mais concentrado e mais impressionante que o anterior, todos merecedores da atenção que o mundo da crítica lhe dá.
Domaine Baumard
No Hyatt, na apresentação dos vinhos da Mistral, lá estava Florent Baumard, responsável pelos vinhos do Loire que levam seu sobrenome. Discreto, orgulhoso de seus vinhos à base de Chenin Blanc, sejam os de mesa, seja os dois admirados vinhos de sobremesa, Florent é o típico francês que vem se apresentar com uma posição pré-definida sobre seus vinhos, não está lá para ouvir nada além do que grandes elogios.
De fato, me é impossível deixar de reconhecer a qualidade do Clos de St Yves Savenièrres e do seu irmão Clos de Papillon, ambos soberbos com 9 meses sobre borras (suor lies), bons para beber particularmente depois de 4 anos. Ou seja, bem diferentes dos vinhos brancos claros, ácidos, cítricos e refrescantes que fazem sucesso nas praias de todos os continentes.
Pergunto – qual é o seu filho predileto?
- Le Quarts de Chaume talvez
Mesmo não sendo um apaixonado por vinhos de sobremesa, acredito reconhecer quando estou organolepticamente ligado a um grande da categoria, como os Vin Santi, os Sauternnes, os Vin de Paille e os Tokay que tive oportunidade de degustar.
Este Le Quarts de Chaume ganhou comentários diferenciados dos Wine Spectator e Wine Advocate da vida. Alguns consideram que ele é o vinho com estas características mais subvalorizado do mundo. De fato, os elogios eram rasgados por todos que passaram pelo balcão, enquanto eu estava por lá, incluindo o ilustre decano do vinho Amarante – diretor da Mistral – que o considera superior a muitos Sauternnes que conhece.
Pergunto mais – este La Caleche, seu vinho de entrada, tem chenin blanc e sementes de chardonnay? Por que sementes de chardonnay, o que você consegue com isso?
A resposta é surpreendente, ao menos para mim que não conhece pessoalmente este produtor/enólogo, reconhecido como uma dos pilares incontestáveis do mundo do vinho e não sei medir o grau de ironia de suas palavras.
- Não sei, não sei o que consegui com isso
Obviamente não acredito nele, assim, na lata. Sua intuição levou-o a esta experimentação que, pelo visto, é inédita. O que ele não tem, interpreto, é um resultado definitivo, que lhe permita ampliar para outros vinhos o que ganhou em estrutura e untuosidade.
Vallontano
Vallontano é uma pequena vinícola do Vale dos Vinhedos, Bento Gonçalves, RGS, Brasil. Produz agora – 60mil garrafas/ano, contra as 40mil que produzia quando começou a parceria com a Mistral, dez anos atrás.
Cresceu proporcionalmente pouco, comparado com a visibilidade que ganhou, com a logística e distribuição que teve à disposição. Reverteu principalmente em tecnologia, na melhora dos vinhedos.
Ser produtor de vinho no Brasil não é fácil não. Não bastasse todas as regras discriminatórias que o vinho sofre ao ser taxado como produto alcóolico e de luxo, ao contrário de tantos outros países, que colocam o vinho na categoria “alimento”, vira e mexe tem uma novidade, como este calote do governo, que no ano passado não pagou seguro sobre quebra de safra, levando com isso muitas portas à beira do abismo (parece novela mexicana, mas a tragédia é brasileira mesmo).
Formulo provocativamente para o Luiz Henrique Zanini, o simpático enólogo responsável pela Vallontano – O Ciro Lilla estava se sentindo obrigado a representar um produtor brasileiro de espumantes, porque os seus clientes sabiam que esta era uma boa alternativa aos astronômicos espumantes oferecidos pela importadora.
E daí, como ele chegou em vocês?

- Sem aviso prévio, fomos visitados pelo Ciro e sua mulher, em 2006. Pá/Pum, lá estávamos na carta mais importante dos importadores de vinho no Brasil, sem ter sequer feito um único movimento neste sentido, produzindo ridículas 35000 garrafas.
Então, se seu grande ganha-pão sempre foi o espumante, porque voar para um vinho como o Oriundi, um tinto feito a quatro mãos com o Vêneto Masi, especialista em Amarone?
- Imagine só, o projeto nasceu em 1996 e não tinha nada a ver comigo, mas com um sonho de Ivo Pasa um vêneto que convence o Boscaiani, proprietário da Masi a um produzir um vinho de estilo vêneto no Brasil. Boscaiani veio me visitar por mediação do Ciro Lilla, visto que ambos somos representados pela Mistral. O resultado é o Oriundi, que usa a técnica de transformar as uvas em uvas passas para depois fermentá-las. Usamos uvas de vinhas de ao menos 15 anos de Teroldego, de Tannat e outras uvas do norte da Itália. Achamos que o resultado foi muito bom, você não acha?
Schroder & Schyler
Como? Uma entrevista com o Yann? Sim, aquele cara mais alto, subindo a escada? É pra já.
Yann está mais do que acostumado com o Brasil, mas eu não estou acostumado com ele. Chego ao seu balcão de expositor no momento que ele se dá toda a atenção do mundo a uma senhora que experimenta seus vinhos em inglês. Me apresento em francês, sem saber que o Yan está no Brasil a 40 anos e que praticamente fala português. Um a zero para ele. 40 anos no Brasil, 3 séculos negociando vinhos de Bordeaux, visto que está no negócio desde a década de 30 do século XVIII.
Evidentemente suas células não são tão velhas, mas seu DNA está embebido em vinho desde então. Desculpe explicar, mas particularmente em Bordeaux, negociante de vinho é muito mais do que simplesmente negociante. Negociante pede (muitas vezes exige) um determinado tipo de vinho, sugere intervenções enológicas, financia certas inovações, é meio sócio do produtor.
Neste caso, porém, é impossível não admirar seja o que ele nos traz para degustar, enquanto negociant, seja o que ele nos traz para degustar como produtor, porque produz também um Grande Cru Classificado no terceiro nível (3º grand cru classée), o Margaux Chateau Kirwan, o que não é de jeito nenhum, coisa pouca.
No primeiro caso, a surpresa está nos Chartron La Fleur, a partir de um branco limpo no paladar, sem madeira, com os vinhos típicos da região.
A mesma limpeza e jovialidade se apresenta nos outros mais econômicos da casa. Vinhos com denominação de localidade, como St Estèphe e mesmo um genérico Médoc. Vinhos que custam menos do que, por exemplo, um Clos de los Siete.
Tudo muito bom, mas embora os Kirwan sejam sensacionais, justificando a fama e a classificação, são os regionais sem madeira que me impressionam mais, positivamente.
Positivamente, quero dizer, fico mais feliz ao saber que há grandes vinhos em torno dos R$100,00 do que reafirmar o que já sabia, que em Bordeaux se faz grandes vinhos como o Kirwan!