O Vinho Kosher de ontem e de hoje*

Publicado em Jornal Vinho e Cia*
selo kosehr

O editor da revista ‘A Hebraica’, ao constatar que eu já havia escrito sobre vinho português, italiano, francês, chileno, norte-americano, boliviano, sul-africano, tailandês, argelino, da Moldávia, esloveno, argentino e brasileiro, me perguntou – e por que não vinho de Israel, particularmente de Golan?

O questionamento procedia. Que raio de pesquisador sou eu que não vou às origens do vinho, que não me interesso por um produtor tão bem-sucedido hoje, como foi nos tempos do Império Romano e que tanta expectativa criou através da história recente?

Serei eu um judeu antissemita, um antissionista infiltrado na revista da Hebraica?

KosherDecidi pesquisar e fui descobrindo coisas inesperadas que me fizeram pensar num algo maior, bem maior que o vinho, que o porco, que o camarão. Bem maior que as panelas para o leite e para as carnes.

Pensei que Kosher tinha a ver com tal povo eleito, não no sentido elitista que os inimigos do povo de Abrão costumam demarcar, mas no sentido de ser o primeiro a considerar sagrado a ação do homem sobre os elementos, contra o principio Xamânico de sacralizar os acontecimentos da natureza.

O nascimento do sol, o amadurecimento do trigo, contra uma série de atos e regras de comportamento… O que para uma tribo de vida nômade e incerta como foi, algum dia, o grupo de andarilhos que se identificavam com as ideias de Abrão, foi surpreendentemente inovador do ponto de vista da civilidade.

Agora é sagrado não o fermentado de uva que pode se dar na natureza por acaso, mas sim aquele que passa pela sabedoria, pelo saber fazer do homem. Sagrado é não misturar o leite da vaca com a carne do animal que se alimentou dele ou alimentou com ele – o bezerro ou a própria leiteira abatidos – num ato de humanização do animal.

porcoSagrado é não comer coisas que você não controla, que não andam contigo, que você não sabe criar, como o porco que não é como as cabras que te acompanham pelas tendas dos desertos afora, como as tâmaras que são colhidas nas próprias plantas.

Sempre considerei intragável aquele vinho pasteurizado (levado a uma temperatura acima dos 65ºC por mais de meia hora ou acima de 72ºC em pasteurização rápida) tipo Carmel, por mais que pudesse respeitar as razões de sua existência, pois é fruto de um processo de sacralização, torna-se sagrado quando a fermentação natural da uva amassada ganha intervenção apropriada (KOSHER), de acordo com os preceitos religiosos.

CarmelEntendo perfeitamente que ele marcou um momento do consumo de vinhos entre os judeus do mundo, de um jeito muito forte, que talvez só encontre similar no superado Rexina grego, um vinho que conservava a resina usada, desde os tempos das ânforas, para sua maior longevidade, pela defesa contra o contato do liquido com o ar.

Cozidos e resinados, são vinhos que ocupam escaninhos próprios e únicos no mercado atual, escaninhos que nunca me interessaram, por uma razão singela – não gosto do gosto, não faço questão de gostar. Os Kosher são aquecidos, O que simplesmente estraga o vinho, mata suas características primárias.

O Kosher de hoje

Kosher Sauvignon BlancOcorre que o vinho Kosher foi reinterpretado pelos entendidos em assuntos talmúdicos. “Basta” que seja plantado, colhido, produzido em todas as etapas, embalado e servido por mãos purificadas!!!

Ganhou ares de sofisticação e muitos estão entre os apreciados pelos entendidos do mundo do vinho. Para se ter uma ideia, o Robert Parker andou premiando com notas acima de 90 nada menos do que 14 produtos de Israel. O Jorge Luki, chamado por uma importadora especializada no assunto, escreveu bem sobre os vinhos que degustou, vindos de várias partes do mundo, entre elas Penèdes na Catalunha, Rioja e Bordeaux.
Grandes produtores mundo afora perceberam o nicho que este vinho com selo Kosher poderia significar em termos de receita, por mais que exigisse certas adaptações necessárias para ganhar o certificado.

De fato, azeite, vinho e Israel foram conceitos complementares por tanto tempo, constituintes da alimentação continental mediterrânea, pilares do que se comia no mundo greco-romano, antes que as invasões bárbaras trouxessem o pastoreio dos grandes animais e um modo de produção culinária totalmente diferente. Mas a cultura trazida pelos invasores, não foi forte o suficiente para substituir o vinho como principal bebida do centro e do sul da Europa!

Atualmente, considerando apenas Israel, sua produção é crescente, já ultrapassou os 30 milhões de litros de vinho por ano e exporta para ao menos 30 países.

Golan terroirIsrael, não é apenas (?) quem primeiro cultivou a vinha e primeiro percebeu o efeito da fermentação de suas uvas, diz a Bíblia, no Dilúvio e sua superação por Noé, que teria trazido em sua barca não apenas os animais que sobreviveram às águas, mas também os frutos da terra escolhidos.

Ânforas dos tempos bíblicos foram encontradas em bom estado de conservação no Galil, na região de Jerusalém, com inscrições de procedência e safra, conta-nos que a terra foi sempre acolhedora com as vinhas, tendo sua fama marcante desde os séculos de dominação romana.

Um lugar em Israel que goza de condições ideais para o vinho, como Bordeaux e Toscana para produzir vinhos de qualidade e renome internacional – solo basáltico vulcânico, topografia aplicável, clima fresco nas altas altitudes. Esta combinação única dá à região do Golan, o apelido de terra do vinho.

GolanMoral da historia – o vinho Kosher é um pioneiro na moda de certificar vinhos, quando os selos de biodinâmico, orgânico, biologique, vegano, compromisso de produção e outros estão organizando nichos e tendências do mercado de alimentos em geral, que se contrapõem aos excessos industriais, que trouxeram poluição ambiental e males para a saúde dos produtores, das suas vizinhanças e de seus consumidores.

E por mais que estejamos igualmente cercados de ótimos produtores, que sempre usaram as ferramentas do mercado com parcimônia e muita cautela; por mais que tenhamos órgãos federais nos países de origem extremamente preocupados em conferir qualidade vínica e sanitária aos produtos que coloca no mercado, diria que a tendência da certificação veio para ficar.

BRENO RAIGORODSKY (DE SÃO PAULO) É BACHAREL EM FILOSOFIA, PUBLICITÁRIO, JUIZ INTERNACIONAL DE VINHO E WINECOACH (WWW.WINECOACHBR.COM)