Introdução – Há tempos estou adiando degustar vinhos norte-americanos com a minha turma, do jeito que a gente está acostumado – uma bateria de vinhos de bom preço, de regiões significativas, que permitam refletir sobre tipicidade e qualidade.
Os EUA estão aí com o maior consumo do mundo, com mais de 10 litros/capita, com uma produção que os coloca entre os 05 países maiores produtores do mundo, apenas atrás da Espanha, Itália e França.
Ocorre que sua vocação sempre foi importadora, exportando esporadicamente, consumindo tudo que produz, desde vinhos mais simples feitos de uva Mission, a mesma uva País chilena, trazida pelos mesmos missionários espanhóis na época das conquistas, para o México e para o Chile.
Como o Brasil, os EUA são um país continental com vocação para os destilados e a cerveja, com pouca tradição para o vinho, tanto que dependeu dos Babyboomers – filhos dos americanos que participaram da Grande Guerra na Europa e que trouxeram de lá alguns de seus costumes – para se constituir país bebedor de vinho.
Como em vários países do Novo Mundo, apesar de ter uma forte concentração produtiva numa região que carrega a grande parte da produção os EUA mostram vinhas espalhadas pelo seu território, aproveitando diversidade de solos e gradientes térmicos.
Ou seja, enquanto somos dependentes há mais de 100 anos, da grande migração de italianos vindos do Vêneto para a produção de vinhos no Vale dos Vinhedos, arredores e outros como os produtores de São Roque (São Paulo) e Goethe (perto de Florianópolis) eles reascenderam o gosto pelo vinho apenas há 60 anos, mesmo que tanto o Novo México e a California produzissem algum vinho desde o século XVIII.
Sempre afirmamos que vinho é questão de educação do gosto e os EUA tiveram a oportunidade de ter toda uma geração de jovens lutando em países onde a comemoração passa quase sempre pelo vinho, como é o caso mais marcantes dos países libertos, Itália e França.
Adio também porque os vinhos americanos são caros e porque costumavam ser caros e muito particulares em seu uso abusivo de madeira e álcool, além de ter como ícone esta uva que eu quase não gostava, a Zinfandel (como de resto quase não gostava da Malbec e Carmenère, todas muito docinhas e pouco gastronômicas para o meu gosto).
Mas agora não, os vinhos parecem se aproximar cada vez mais da elegância que espero, com nada saltando demais, nem a tal fruta no aroma – que tantos iniciantes se deliciam e tantos veteranos querem surfar na onda da hora – nem o obrigatório doce no ataque e o redondo do fim, nada saindo do estilo “sem arestas” que o vinho novomundista pretende perseguir… Ou pretendia, porque ontem tivemos modelos de todos os tipos e isso surpreendeu.
Apresentação – Começamos com um white zifandel, um vinho simples, adocicado demais, mas com o seu charme, nem de todo descartável.
Nos brancos, 3 chardonnays de preços diferentes, a partir de 3 projetos diferentes, assim como nos 3 Pinot Noir, assim como nos grandes da noite, 3 vinhos poderosos, assim também com os 2 intermediários e despretensiosos, Petit Syrah e Zifandelic.
O lugar foi escolhido por conta desta coisa das franquias americanas, que no Brasil começaram com MacDonald’s e outros burgers, para entrar nos Friday’s Nights, Outbacks, Apple Bees e agora o Tony Roma’s. São todos um passo adiante no gênero sanduíche que os americanos instituiram mundo afora. A degustação seria pela primeira vez em etapas bem marcadas, sempre com uma avaliação sem comida e outra com comida. Em primeiro os brancos, depois os tintos leves mas pretensiosos; depois os leves despretensiosos como inter-ato para apresentar os vinhos mais parrudos.
1ºAto – Na degustação, os brancos foram alinhados em ordem de complexidade e Redtree foi prejudicado por estar realmente num grupo forte demais para ele, pois tanto o Parducci como o Buena vista são areia demais para o seu caminhãozinho.
Sem comida, segurou a barra, empatando com os outros dois por conta do seu frescor, seu abacaxi e maçã caramelada. Com comida sucumbiu, pois os outros são especialistas em casar com bons grelhados e mesmo comidas frugais como foi frugal a tilápia de criação controlada a que foram confrontados.
Pior para o Buena Vista, necessitado de mais gordura no prato, algo como uma lula fritando num tempero provençal, algo como uma sobrecoxa de frango com pele pururuca. Ganhou o Parducci, campeão da noite, um vinho que mostrou excelente complexidade e fez jus à fama de legítimo chardonnay chablisiène em plena costa pacífica. Para o Buena Vista, belo vinho da estirpe dos vinhos em torno de Mersault, manteiga e brioche inclusos, com forte acento na defumação, no nariz mas principalmente na boca. Com outra comida mais invernal ele teria levado. Perdeu com louvor.
2ºAto – Passamos então para 3 bons representantes da uva Pinot Noir americana. O Drouhin, um dos pioneiros do Oregon, um dos que fez a pesquisa original que fixou a bandeira da uva da Borgonha nos EUA, trazendo sua técnica, tentando reproduzir o que se faz na velha França em Novo Mundo.
Na mesma pegada outro francês – o De Loach, menos pretensioso, genérico da California, mas com um pé fincado no Russian Valley e um outro na biodinâmica, que permite – sem entrar no mérito nem em juízos de valor – a produção de vinhos muito dependentes do solo e da plantação, muito menos da cantina e da vinificação.
Evidenciou, no entanto, uma pegada inimaginável para os mais incautos seguidores da uva Pinot Noir: uma vontade de lhe dar cor e estrutura mais poderosa, misturando sua uva mor com bastante Malbec, um pouco de Cariñena, um outro pouco de Zifandel e um punhado de Syrah…
Quase dá vontade de mandar o enólogo deixar a uva ser como é, para parar de ficar criando Frankenstein com uva nobre! Mas o pior (para mim e gente que pensa como eu), é que o resultado supera expectativas, não dá para reclamar e para meu espanto, ganhou a degustação.
Outro do Russian Valley, o Foppiano não é vinho de levar desaforo para casa, e mostrou seu estilo californiano, confrontando os outros dois mais austeros, mostrando a face de um vinho com menos elegância e mais cereja, baunilha e caramelo do que os outros. Se na degustação sem comida foi melhor que os outros dois, quando harmonizado com um spaghetti com linguiça, literalmente dançou.
O Pinot Noir é decididamente a uva que mais causa estranhamento entre os degustadores, que dificilmente sabem o que procurar. A mágica da uva não está em ser aprazível, um suco de tutti-fruti em forma de vinho, mas em ser de pouco corpo, ao tempo de revelar bons taninos, estrutura, elegância e finalmente longevidade. O Drouhin persegue mais este papel e com a comida dize a que veio. Mas o De Loach caiu nas graças do povo e foi carregado nos braços, ganhou a disputa com dois votos de vantagem sobre o meu preferido (snif, snif).
Entre-atos – O Petite Syrah Redtree e o Zinfandelic deram uma demonstração de como os vinhos americanos podem ser simples e agradavelmente descontraídos. Caros para este fim, mas bem feitos, ambos.
O Zifandelic, uma grata surpresa, um vinho que me lembrou os primeiros Zinfandel que tomei, realmente assemelhados aos primeiros primitivos de Salento, vinhos que vão bem numa temperatura mais próxima dos 12ºC, vinhos, que dá para beber uma garrafa sem sequer perceber. Não foram muito avaliados porque serviam de passagem entre os Pinot Noir e os mais parrudos. Mas se deram muito bem (eu trouxe os restos para casa e todos os parentes e vizinhos que puderam sorver um golinho gostaram, particularmente do Zifandelic e seu descompromisso)!
Último ato – 3 grandes vinhos, 3 uvas diferentes, 3 propostas similares na vinificação, no cuidado produtivo, na modernidade. Entre eles, uma lenda que às cegas não ganhou, mas também não decepcionou em nada: o Clos Du Val 2011 CS, um vinho que participou da prova de 1976 chamada de O Duelo de Paris, tirando o 6º lugar, na ocasião, sendo que sua produção tinha começado apenas cinco anos antes!!! 10 anos depois, em 1986, repetiu-se a prova com os mesmos vinhos e degustadores, tirando então o primeiro lugar, comparado com vinhos muitas vezes mais caro que ele.
Mas para o nosso grupo, quem melhor acompanhou o prato de resistência, o ribb suíno com barbecue, foi um grande e legítimo representante da uva ícone do país, o Paul Dolan Mendocino 2010, um Zifandel para impor respeito, sem aqueles exageros todos que puseram esta uva na lista dos vinhos parrudos, comparáveis a seus primos Malbec e Primitivo di Manduria. Aqui o equilíbrio na boca, o longo e agradável retro-gosto, o álcool totalmente integrado, fizeram dele o melhor dos grandes da noite, não se intimidando nem com o Clos Du Val, nem com o outro do grupo, este merecedor de uma reflexão final: tratava-se de um merlot, uva destacada para
servir de escada no filme SideWays, cujo papel foi desvalorizar a uva, fazendo com que perdesse inestimáveis 20% do consumo em solo americano. Quis levar um bom produto para a disputa e o reservei para o embate final, com os pesos pesados. Quem fez este ótimo papel foi o De Loach Merlot 2012, que nos deixou impressionados com tipicidade sem concessões, mesmo sendo um vinho mais barato e despretensioso.
Para mim, que tenho um projeto comparativo com o Merlot do Vale dos Vinhedos X Merlot da California, foi sopa no mel!
Fichas Técnicas –
- Douglas Hill white Zifandel rosé 2012 – R$58,00 (Smart Buy)
- Parducci Chardonnay 2010 – Mendocino – biodinâmico, 13,5% álcool – R$95,00 (Mistral)
- Buena Vista Chardonnay 2012 – Carnero – 14,5%, 8 meses em madeira francesa e húngara, 40% nova – R$169,00 (Smart Buy)
- Redtree Chardonnay 2010 – California genérico -12,5% álcool – R$64,00 (Grand Cru)
- Zifandelic 2012- Sierra Foothill100% Zifandel – gold metal na última prova dos vinhos desta cepa na California – R$137,00 (Smart Buy)
- Redtree Petite Syrah 2011 – 12,5% – California – sem madeira – R$64,00 (Grand Cru)
- Joseph Drouhin Pinot Noir – Oregon – 14,1% de álcool, 100% PN, método tradicional (18 meses em barrica borgonhesa?) em carvalho francês dos quais 20% nova. RP 91, WS 90 – R$257,00 (Mistral)
- Foppiano Pinot Noir 2010 – Russian Valley, 14,5%, 14 meses em carvalho francês, 30% 1º uso. R$159,00 (Best Buy)
- De Loach Pinot Noir – Russian Valley – 76%PN, 12%Malbec, 8%Carignan, 3%Zifandel, 1%Syrah, 13% álcool, madeira francesa. R$98,00 (Vinno.com.br)
- Clos du Val Cabernet Sauvignon 2011 – Nappa. CS 86%, Mer. 5%, CF7%,P.Ver2%, 13,5% de álcool – 18 meses em madeira francesa, 25% nova – 6º lugar no Duelo de Paris de 1976, 1º lugar com os mesmos vinhos das mesmas safras, numa revanche, em 1986 – R$246,00 (Smart Buy)
- Paul Dolan Zinfandel – Mendocino 2010 – . 100% Zinfandel, 14,5% de álcool – orgânico – 10% madeira americana, 35% usada e o resto em tanques de redwood – – R$147,00 (Mistral)
- De Loach Merlot 2012 – California – sem muitas informações técnicas, 100% merlot, US$8,5 na Total Wine, R$90,00 (Sonoma.com.br)
Foi uma noite agradavel
É isso, gente, vamos continuar na toada!
Grande Breno, degustação espetacular, ótimos vinhos, com belas surpresas. Realmente há muito o que explorar nos EUA…. Abs
Parabéns Breno, organização e apresentação perfeitas. Uma aula especial sobre vinhos americanos. Aprendi muito, inclusive com os comentários e avaliações dos confrades. Abs a todos
Muito obrigado pelos elogios, Luis, acho que tudo andou bem. Evidentemente, uma prova não passa de uma pequena mostra do universo dos vinhos do local. Eu tento estabelecer um patamar que nos permita avaliar. Por isso o exagero de tanto vinho!