Rosso Morellino. O Sangiovese da praia.

Sangiovese é Sangiovese na Toscana, por mais que tenha juntado apelidos por toda a região, sendo os mais famosos Sangiovese Grosso ou Sangiovese Piccolo, SangiovetoBrunello, Prugnolo Gentile e Morellino, todos referentes à cor da pele ou ao tamanho da baga. Tem Sangiovese da Romagna ao centro-norte até a Campania, mas aí são outros quinhentos.

Falavam que o Sangiovese de Montalcino e o de Montepulciano não era o mesmo Sangiovese de cá, da região entre Siena e San Giminiano, de Florença, de Pisa, de Lucca e de Maremma.

sangiovese
Sangiovese

Mas, bobagem, o tempo e a ciência reuniram todos estes vinhos especiais num só, são só um.

morellino
Morellino

Deles todos, a bola da vez continua sendo Brunello, a mais legítima expressão desta uva tânica ao extremo, capaz de produzir vinhos intragáveis quando jovens, mas extremamente consistentes quando domesticados pelo homem e pelo tempo. O Brunello tem tanto prestígio que resistiu aos escândalos de 2008 e 2013/4, quando foi flagrado num lote nos EUA com a composição fora das regras da Denominação e quando foi grotescamente adulterado junto com Chianti Clássicos por alguns intermediários do negócio do vinho.

Brunello
Brunello

E no entanto, tudo isso é muito recente. Diz respeito a um banho de normalidade que se pretendeu dar aos vinhos pós-filoxera dos anos 1930, quando o mundo perdeu referencias de como um vinho deveria ser, tantos anos se passaram desde que a grande praga tomou lugar na produção europeia e norte-africana.

ToscanaDepois – quando se consolidaram as Denominações Chianti, fruto das maquinações do Primeiro Ministro da Reunificação italiana e viticultor Ricasoli – houve alguns momentos de formação de outros DOCs, sempre pensando em defesa de mercado de produtos em ascensão de prestígio –  em 1980, Brunello di Montalcino torna-se DOC, para apenas no fim do milênio ganhar o estatuto de DOCG.

Antes da virada do milenio, um tal de Vincenzo Venitucci, restaurador famoso pela qualidade de sua comida de Lucca em Moema, São Paulo, e pela forma sanguínea de tratar até seus clientes – o que lhe rendeu grandes amigos e outros tantos inimigos – promovia um encontro anual de vinhos de sua Toscana, sempre às cegas – cada participante trazia o que lhe conviesse desde que toscano. Mesmo na presença de Brunello, os grandes de Montepulciano e de Chianti Classico não se intimidavam. Pena, na época, não ter ainda um DOC Morellino para ver como ele teria se comportado em meio a mais de 30 garrafas de bons vinhos!

Morellino di Scansano é muito mais recente, torna-se DOC em 1976 e DOCG em 2007, fruto de um movimento do Consórcio de Morellino, sociedade de amigos e produtores para é o da luta de um Consórcio de produtores que se meteram a por no mapa seu vinho regional, na certeza que fazia coisas tão boas com o Sangiovese quanto todos os vizinhos.Grosseto

Ultimamente promovi uma degustação com a presença de grandes vinhos da região com um preço máximo de R$400,00. Neste nível o Morellino se deu extremamente bem, tão bem como o melhor Chianti, tão bem como um ótimo Montepulciano.

Pois Morellino nada mais é do que um Sangiovese que quase molha o pé no Tirreno desde o século XIII em torno de Scansano, na região de Grosseto, Maremma.

Assim como Biondi Santi elevou a Brunello a um patamar acima, por conta de sua qualidade reconhecida mundialmente, desde um famoso jantar para a Rainha da Inglaterra onde foi servido e aplaudido, dando espaço para que se referendasse sua nobreza, ganhando status DOCG; assim como propagou como verdade o mito de que se tratava a Brunello se tratava de uma uva maior que a Sangiovese normal, com a pele mais cascuda, capaz de maior concentração de açucares, os produtores de Morellino subiram a escada da fama, estando bem acima do que estavam antes deste movimento.

São toscanos igualmente pela febre traidora que os acometeu, desde o fenômeno dos chamados Super Toscanos a partir do Antinori e sua disputa com o consórcio de Chianti, que resultou num Tignanelo IGT, abaixo em classificação, mas superior em preço.

Traem suas uvas de origem, traem a tradição regional, por conta da terra maravilhosa, que tão bem se adaptou às uvas de origem bordalesa.

Ao visitar uma dúzia de adegas da região, surpreendi-me com a apresentação primeira do vinho feito com uvas não autóctones para então conhecer o Morellino da casa! Isso porque, o DOCG deixou de ser uma norma produtiva, além de ser uma norma de mercado. Porque inferia-se – como se faz na França e como se usava fazer na Itália – que as regras normalizavam inclusive as uvas permitidas ao plantio, assim como a quantidade de cada uma delas permitida na mescla, engessando a produção de uvas de outras partes do mundo. Quando alguém se referia a determinada região do mundo produtor de vinho, logo podia associação-la a determinado conjunto de uvas e um modo de fazer vinho. Agora não, tomar um vinho da Toscana pode significar perfeitamente um corte australiano de Syrah/Cabernet Sauvignon, por que não?

Dos 48 produtores que formam o Consorcio de Tutela Morellino di Scansano, visitamos 6 ou 7, entre grandes, médios e pequenos. A maioria valorizava – em primeiro lugar – seu vinho feito com alguma uva francesa, para depois apresentar seu Morellino.

Morellino BiondiEntre eles um poderoso Biondi Santi, que com seu clone de Montalcino BBS11, produz seu Morellino como se fosse um Brunello, num micro-território bem diferente em solo e vento. Neste caso, enquanto o Sassoaloro com 14 meses de madeira francesa em barrica sem tosta e os dois Morellinos são puros Sangiovese BBS11, o legítimo Schiedone é um super toscano de mistura com Cabernet Sauvignon e Merlot – 24 meses de barrica, um verdadeiro Médoc – e o Montepaone é cabernet sauvignon puro, com 18 meses de madeira. A Mistral que trás seus vinhos, escala os valores para cada um – O Schiedone 2004 encabeça a lista de preços (R$2064,00), enquanto que o famosíssimo Sassoaloro Oro 2006 Sassoaloro
atinge os R$686,00, exatamente o mesmo preço que o Morellino Riserva 2006, enquanto que o Morellino normal sai por R$309,53.

Da produção que chega a 300 mil garrafas, apenas aproximadamente 50 mil são de Morellino, entre o comum e o reserva.

Será o nome Morellino abaixo das expectativas do mercado? Será que todos estes produtores toscanos não realizam seu capital defendendo sua propriedade de marca maior? Os grandes Brunelli e mesmo os de Montepulciano mantêm-se na mesma linha? Certamente não, mas ao menos em Montalcino apresenta-se um DOC, o Rosso di Montalcino e o Santantimo fazem o papel de coadjuvante, vinhos mais leves e/ou alternativos, que fazem a estrela maior brilhar.

414Está na memória a visita ao Poder 414, um empreendimento completamente familiar, com uma cantina pequenina, suficiente para suas 100mil garrafas/ano, com uma produção recente. 13ha de bosques, floresta e plantação.

Ao responder se usavam defensivos e fungicidas, Simone Castelli, o proprietário, dirigiu o olhar para a casa da vinícola e disse – Veja, é aqui que moramos, minha mulher, minhas crianças e eu no segundo andar desta casa. Se aplicássemos veneno na plantação seríamos os primeiros a sofrer consequências pulmonares. E não queremos isso nem para a nossa família, nem para a sua, já que te considero um nosso cliente e consumidor em potencial.

Scansano é Toscana, mas pela geografia muito bem poderia ser Umbria ou Lazio, numa encruzilhada etrusca onde as culturas se unem, pois fica bem longe dos lugares mais conhecidos da região, Florença, Siena, San Miniato, Volterra, Livorno, Pisa, Lucca etc., praticamente equidistante de Siena e Orvieto.

Pelo vinho, pela tipicidade, pelo tanino, pelo nariz e boca característicos, os Morellino di Scansano são toscanos, que se confundem entre os melhores, não estão em nada abaixo.