UMA NATUREZA SELVAGEM PENETRA NA ITÁLIA CULTA

A Gazeta Mercantil ainda respirava sem aparelhos, nos primeiros anos deste milênio. e publicava artigos como este abaixo, pagando o que parecia ser um dinheiro digno para o articulista, seja pelo texto, seja pelas fotos.

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Foi um tempo em que ninguém tinha criado uma passarela ligando a simpática Ilha de monteisola ao continente deste lago, que fica entre bergamo e brescia, entre o val camonico e a franciacorta, entre os lagos di garda e como, entre milão e verona.

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As pessoas apenas passam pelo Lago Iseo, seja indo a leste, em direção a Veneza vindo de Milão ou vice-versa, val-c2seja indo para o norte, ao encontro do incrível museu de inscrições rupestres de Valcamonica, o mais importante de toda a Europa, com mais de 180 000 inscrições concentradas num espaço de aproximadamente 35 hectares ao longo do rio Oglio e que retrata 13 000 anos de um povo – o camônico – que precedeu os celtas, conviveu com o império romano e que mantém descendentes diretos até hoje.

lagoO Lago Iseo é um lugar fora do lugar. É o mais nórdico dos lagos da região e o mais rústico também. Não tem aquele charme setescentesco dos lagos Maggiore e Como, não tem uma vila turística como Sirmione, que embeleza o Lago di Garda. Ninguém vai ao Lago Iseo, a não ser os centenas de milhares de europeus que cultivam o esporte aquático, a caminhada e o ciclismo. Pois suas atrações são bem outras, quase que estranhas a uma Itália do norte tão pródiga e desenvolvida.

tunel Ele é um enclave de natureza mais selvagem em meio à riqueza arquitetônica que a circunda, pois fica próximo demais da fronteira do antigo império veneziano que se estendia desde a Grécia, no fim do Adriático até Bérgamo, nas portas de Milão, para não ter sido diretamente influenciado pela ação do homem renascentista. imagesSeu contraponto é estar na fronteira da Franciacorta, famosa mundialmente pela qualidade de seus vinhos espumantes, mas igualmente importante produtora de outros vinhos que rivalizam em qualidade com os monstros sagrados Barolo, Barbaresco e Brunello.

pineroO Cà Del Bosco, por exemplo, tem participado com louvor de blind test entre os maiores chardonays do mundo e o Pinero – um Pinot Noir um tanto quanto despretensioso – pegou um surpreendente 4º lugar, em 1999, na frente de vários Bourgogne de grande fama.

franciacorta Além do vinho, Franciacorta é uma região micro-região cercada de um mistério pré – renascentista desde o nome:  Franciacorta pode querer dizer, dizem as enciclopédias, “corte franca”, ou seja, um espaço livre entre as potências opressoras da época, Milão e Veneza… pode querer dizer “Pequena França”, referente igualmente à forma democrática de organizar o estado pós revolucionária do país vizinho.

Talvez por isso, o Lago seja igualmente um enclave de descontração, bons preços e turismo mais acessível, o que faz com que seus visitantes tenham um aspecto diferente, mais jovem, mais interessado em caminhadas esportivas, menos preocupados com a qualidade da comida ou do vinho ou da arquitetura renascentista.

Neste aspecto, encontra-se no meio do Lago, uma das suas maiores jóias: monte
Monteisola, a maior ilha lacustre da Europa, com aproximadamente 9 km de circunferência. É o lugar ideal para um passeio a pé, mesmo porque não transitam carros na ilha. Melhor dizendo, apenas o médico local tem direito a manter in moto seu veículo motorizado de quatro rodas. Além dele, fazendo barulho e poluindo o ar, transitam por lá somente algumas bicicletas motorizadas e uns poucos caminhõezinhos, devidamente autorizadas pela municipalidade para reparos no asfalto do passeio circundante, na coleta de lixo, correio, no cuidado com o sistema de água servida e com o sistema elétrico que abastece a ilha.

pesceA ilha é um monumento à pesca de subsistência, o que confere ao local um ar mediterrâneo fora de lugar. Não parece a Itália do Norte. Parece até que somos transportados a uma praia distante da Calábria, da Grécia ou da Turquia, com seus peixes secando ao sol como se faz desde séculos, com seus vilarejos incrustados na montanha, com suas roupas multicolores dependuradas em varais pelas vielas, com seus castelos medievais compondo quase que discretamente a paisagem.

É o caso do castelo Paderno em Monteisola, uma estrutura construída em 1300 por Oldofredi, ampliada por Martinengo em 1400 e reconstituída apenas em 1963. Ele é indisfarçavelmente medieval, é fundamentalmente europeu setentrional, pela sua estética, pelo tipo de material e posição estratégica, que mal disfarça sua vocação militar.

Mas não é o castelo que atrai o visitante, é a ilha e seus vilarejos, é a ilha e seus pescadores, e a ilha e paisagem panorâmica que se pode ter por todos os cantos do lago. É a ilha e suas múltiplas possibilidades de contato com a natureza. passeio
Pois em torno dela, vão se descortinando as localidades, verdadeiras aldeias modestas que nascem próximos ao nível da água e vão se arremetendo monte adentro, formando um típico emaranhando de vielas e casebres incrustados morro acima. São 9 km de circunferência e centenas de quilômetros de paisagem onde nada, nem as nuvens que se formam preguiçosas no céu azul de primavera, se parece com um prédio, um computador, uma buzina de automóvel.

pesce-fritoEm Peschiera, a primeira destas aldeias, a receita local de peixe frito é muito bem servida num bar chamado Ai Tre Archi, indicado por um sujeito de macacão azul que se identificou como trabalhador no setor de eletricidade do Município.  Peschiera e Sensole, pareceram ser as localidades mais desenvolvidas. O hotel La Foresta – indicado pelo guia da região, o dos “Amici Del Sebino” – fica em Peschiera enquanto que é em Sensole o tal castelo referido acima, o ponto turístico arquitetônico mais importante da ilha. Ao Tre Archi, come-se sardinelle fritas, bem sequinhas, acompanhadas com salada de verduras cozidas e regadas com azeite extra vergine Museo, produção do lago vizinho, o de Garda.

Continuando a circundução, passa-se por Porto, Siviano e Carzano, onde há inclusive um belo camping, o Campeggio Monte Isola. A cada vilarejo uma paisagem diferente, um benefício do movimento em torno de um mesmo eixo, o que possibilita avistar as cidadezinhas que costeam o lago a oeste e depois a leste, sulzanoaté que a paisagem encontre Sulzano novamente, o ponto de partida para quem chega à ilha de barco, distante 15 minutos do continente.

Pois Sulzano reserva ao visitante outra grata surpresa, ausente de todos os guias: é La Pernice, A Perdiz em italiano, um hotel/restaurante que estranhamente nem aparece entre as indicações colhidas no Ufizzio Turistico de Iseo.
É difícil imaginar algum outro sítio com melhor custo/benefício. É barato, limpo, completo e tem uma vista inesquecível. Da janela do quarto vê-se tudo: as montanhas nevadas dos Alpes, o Lago Iseo circundado de várias pequenas cidadezinhas, de Iseo no ponto sul do lago até Pisogne, no ponto norte dele.

A ilha Monteisola, surpreendentemente grande para uma ilha lacustre, logo adiante, cortejada pelas duas ilhotas que compõem o conjunto de terra dentro do lago.

 la-perniceO La Penice, é uma construção sólida de gosto duvidoso mas de evidente praticidade, com o restaurante, bar, cozinha e recepção ocupando o andar de baixo e os quatro/cinco quartos ocupando o andar de cima.

US90$00 é (era, em 2005), o suficiente para servir o jantar, a noite para o casal e o café da manhã.

O café é servido com brioches, bolos de vários tipos, sucos, café, leite, chá, torradas, pães feitos em casa e, mais importante, algumas frutas, o que é extremamente raro nesta Itália do norte. O quarto tem cama de tamanho e dureza perfeitas, limpeza austríaca, banheiro completo, chuveiro excelente, aquecimento perfeito. O jantar com espaguete ai funghi e peixe grelhado com legumes, regados a vinho de Franciacorta Majolini e café.

O Lago Iseo continua com suas atrações diferentes logo ao norte, quando se deixa Sulzano e Monteisola para traz – a primeira delas é “Zone” um vilarejo perdido no século XVII, com suas casas em pedra e madeira, ótimas tratorias e ponto de partida para excursões pela natureza intacta, subindo a Corna Trentapassi e ao Monte Guglielmo, cujo interesse histórico se concentra numa igrejinha  quatrocenstesca S. Giorgio no valle de Gaz. A região é perfeita para quem está à procura das variações da natureza. São alguns milhares de quilômetros de gelo, bosques, lagos, montanhas, estruturas sedimentares.

Os visitantes procuram as redondezas do Vale para caminhar até ‘Adamello, ‘Alta Via Camuna e Tre Valli. São também centenas de quilômetros de estradas asfaltadas, apropriadas para campeonatos de ciclismo e moutain bike.

A Riserva Naturale dell’Altopiano di Cariadeghe é a próxima para desta região que não se cansa de surpreender e oferecer novidades. Aqui, encontra-semais de 500 cavernas, quedas d’água e rios apropriados à canoagem e Escolas oficiais de asa delta.

Além disso, entre o norte do Lago e Valcamonica, encontra-se uma quantidade enorme de rios piscosos que deságuam no Lago e que fazem a festa da pesca esportiva e de outras atividades aquáticas.

Moral da história: o Lago Iseo é um momento ideal daquele visitante que adora a Itália culta mas precisa de um instante de natureza e simplicidade para poder retomar o fôlego.