Não confunda U com Unda

Este gradiente é enganoso, leva a opiniões erradas, imprecisas. Estas uvas são passíveis de vinificações que as colocam em outra posição.

Por exemplo, pouco tempo atrás tomei dois Pinot Noir – um da Borgonha, Domaine Pedrix – campeão em Londres de um concurso com Pinot Noir do mundo inteiro – outro o argentino Salentein Premium.

o badalado Salentein Pinot Noir – para quem não gosta de Pinot

Ambos fugiram da tipicidade, suas uvas foram colhidas além do tempo, ganharam forte intensidade, perderam as características identitárias.

Ao contrário, Merlot, Barbera, Tempranillo, Valpolicella transitam pelas cores.

O melhor exemplo é o do Valpolicella – nasce ralinho, o Valpolicella genérico. Encorpa quando é Classico. Encorpa mais, ganha álcool e cor quando é Reserva. Torna-se mais parrudo quando é Ripasso di Valpolicella. Para se tornar Amarone di Valpolicella, o vinho tradicional mais alcoólico, mais escuro e intransparente de todos.

Semelhante aos Zifandel, aos Primitivo (Salento, Puglia, Manduria), Nebiolo (Langhe, Barbaresco, Barolo, Sfurzat) etc. Na ânsia de padronizar, de classificar, comete-se muito mais merda do que acerto.

Aí vai um pouco de historia e especulação comercial – para ressaltar a qualidade indiscutível dos grandes do Piemonte, demorou para que alguém desse à Barbera o mesmo tratamento em planta e cantina que se dá para ao Barolo. Enquanto um tornou-se matriz de grandes vinhos o outro andou se popularizando, através de sua versão Langhe Nebbiolo.

IGT – Muito barulho por nada?!

Nerello di Mascalese pré-filoxera

Como todo produto que nasce no campo pela vontade do homem e não simplesmente pela força espontânea da natureza, o vinho nasce longe da terra, da chuva e do sol. Nasce na cabeça do agricultor/investidor, que almeja não perder o dinheiro que investirá.

Na hora que você escreve sobre rótulo, sobre o design do vinho, você está no campo do marketing. Quando você elege uma uva para plantar e transforma-la no seu produto, você está falando de potencial de qualidade, está falando do melhor que você pode fazer, mas também está falando de mercado, porque você não vai testar todas as uvas que existem, que com seus clones superam 20 mil opções entre as vitiviníferas.

Escolhas na vinificação, investimentos na praça de produção, escolhas nas garrafas no fecho, no rótulo, no estilo, no posicionamento do vinho, tudo isso passa pela imagem de mercado. 

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Salamanca do Jarau da Routhier&Darricarrere, Rosário do Sul, Campanha Gaúcha

Por isso vai cruzar duas curvas essenciais: o que vai bem naquela determinada terra que pretende investir e o que o mercado sugere que se plante.

Para chegar à primeira decisão, entidades como a Embrapa vão ajudar muito, mas não apenas elas. Geologia, topografia, clima, qualidade das cepas e seus clones, escolha de leveduras, vão trazer uma uva  apropriada. Ela pode ser ao mesmo tempo Grenache, Negrette, Cinsault, Gamay e Touriga Nacional, cada qual em uma parcela do lote, numa determinada encosta, com uma determinada insolação.

Estas determinações limitam as alternativas, deixa a decisão ser mais técnica, menos solta ao prazer do enólogo.

Os vênetos foram buscar na memória a uva Teroldego. A tradição foi atrás da Alicante Bouchet, cruzamento em laboratório de Garnacha/Grenache e petit Bouchet . A Martini & Rossi trouxe o método Asti e implantou as moscatéis.

Quando o Mario Geisse foi a Pinto Bandeira, foi quebrando pedra em pedra, até descobrir o solo mais permeável, que melhor se adaptaria à plantação de chardonnay e Pinot noir para espumantes. O casal de enólogos da Cordilheira de Santana sabiam como, quanto e quando plantar antes mesmo de começar os trabalhos.

Mas se fosse presa demais, jamais teríamos um Petit Verdot 100% na Abadia Retuerta, Ribera Del Duero, terra de Tempranillo.

NicolasJamais teríamos um Malbec de primeira linha, visto que o Nicolás estava seguindo os sentimentos do seu pai, que adorava os Malbec que plantara. Evidentemente, a mescla se dá numa verdadeira curva de comunicação, onde o novo é renovação de algo já solidamente implantado.

Jamais teríamos um vinho 100% Rufete ou 100% Rabigato, uvas secundárias em suas regiões, muitas vezes sofrendo o assédio constante das uvas dominante do mercado. Assim como jamais teríamos estes Barbera barricados fantásticos que o mercado aprova e comprova, tirando das costas da Nebbiolo toda a responsabilidade de fazer grandes vinhos no Piemonte italiano.

Determinar que um vinho foi feito com as uvas locais, plantadas lá, vinificadas com um determinado protocolo que envolve uva, hectolitragem, processo de vinificação etc. foi uma necessidade de mercados já constituídos. Nunca é demais lembrar que depois da 1ª Guerra Mundial, no inicio dos anos 20 do século XX, o mundo estava morrendo de sede de vinho, seja porque era época de festejar, depois de uma guerra fraticida, longa e sangrenta, mas também depois que se inventou o enxerto com pé de uva americana, o que salvou as vitiviníferas da sanha mortal da Filoxera.


O mundo queria sorver os grandes vinhos consagrados antes do pulgão exterminar as vinhas mais importantes daquele mundo. E como produzir? Mais da metade dos proprietários de Bordeaux estavam falidos, comprando títulos dos bancos de financiamento agrícola, se vendo obrigados a comprar uvas de outros lugares para tentar honrar os pedidos de compra.

Boa parte destes viam aí uma oportunidade imediata de se livrar dos problemas financeiros. Procedimentos fraudulentos foram useiros na época, comprava-se onde houvesse uva pra vender, seja na Argélia, seja na Sicilia, seja na Espanha.

Em 1930, diante de uma avalanche de decepções, devoluções, propaganda negativa, o governo francês decidiu que devia não apenas financiar as dívidas acumuladas dos produtores pré-falimentares como estabelecer normas rígidas de controle de qualidade, formando então as famosas Appellation d’ Origine Controlée, AOC.

Na mesma época, a região da Toscana, na Itália fazia a mesma defesa de seu produto mais importante, do ponto de vista comercial – o Chianti, único produto não francês a ter inclusive suas garrafas certificadas em solo gaulês, com sua garrafa bojuda e coberta de palha, que de longe a identificava nas gôndolas. Seu sucesso inspirava imitações e mil Chianti foram surgindo, por toda a Toscana e mesmo fora dela. Sendo assim, criou-se a Denominazione di Origine Controlata Chianti, para depois de 3 anos, criar uma DOC específica para os Chianti Classici, a guisa de defender os produtores originais, que se concentravam entre Siena e San Giminiano.

414Ou seja, no início, não havia outra intenção que não proteger a imagem de quem já tinha imagem para proteger.

Já tinha uma vinificação determinada e comprovada de sucesso comercial e qualitativo. Já sabia o que ganhar com isso. Mas os DOC só foram disseminados por todas as regiões apenas em 1963, recebendo um reforço, em nome da qualidade, dos DOCG em 1970.

Nestes últimos anos, também a França expandiu e revisou seu sistema, consagrando outras tantas regiões, seja para – como sempre – garantir mercado conquistado, seja para consolidar uvas autóctones que estavam sofrendo risco de extinção, como no caso da uva Negrette que foi defendida pela AOC Fronton, que obriga a presença da citada em 50% e não aceita mais de 25% de uva que não tenha origem na região Languedoc, no sul da França, onde a invasão das uvas de exportação – as cabernet, a chardonnay e a Pinot Noir – estavam substituindo maciçamente o que se plantava anteriormente.

Tudo dito, este sistema de controle serviu para consolidar, proteger produtores e consumidores, e jamais para implantar algo de novo e desconhecido.DOCG

Quando o Vale dos Vinhedos criou seu IGT, e estabeleceu a Merlot como sua uva principal, pareceu-me uma precipitação comercial, apesar de concordar integralmente que a uva de Bordeaux dá-se muito bem nas encostas de Bento Gonçalves. Criar uma região demarcando um terroir pode ser bom para a Campanha, para as Serras Gaúchas, para os Vinhos de Altitude de Sta Catarina, para o Vale São Francisco e mesmo para a recente e promissora região dos Vinhos de Inverno, que abarca norte de São Paulo e sul de Minas Gerais.

IGT VVDiferente é instituir uma denominação de origem a produtos como o Queijo da Canastra, uma disputa longa entre produtores e a ANVISA, que proibia a comercialização de um queijo cuja matéria prima é crua, sem passar por pasteurização, como de resto, boa parte dos queijos franceses de massa mole. Era uma característica já determinada, historicamente consolidada, e o selo de garantia nada mais fez do que fazer justiça a quem já se diferenciava, mesmo que tenha aberto uma estrada que hoje é trilhada por novos produtores que se aventuraram a fazer o mesmo.

Mas decidir que já há suficiente experiência produtiva que defina como rainha a Tannat para a Campanha, a Syrah para os Vinhos de Inverno…acho que não. Vá lá que a Merlot seja a grande uva do Vale dos Vinhedos, mas com as voltas que o mundo dá, a Cabernet Franc voltou com tudo, deixou de ser aquele vinho desconcentrado, passou a ganhar a nobreza que tem em outras terras, St Emilion em particular.

Só engessa, dificulta novas descobertas e pesquisas com outras uvas. Por mais que o Pinot Noir em Nova Pádua e Flores da Cunha tenha se dado bem, por mais que a Tannat esteja dando grande potencial em Santana do Livramento, Dom Pedrito e arredores, melhor seria apenas apontar a origem sem dizer de suas uvas e de seu manejo. O resto é pura precipitação do pessoal de marketing que, como a ejaculação precoce, satisfaz apenas uma parte dos envolvidos no negócio, deixando o usuário com cara de Meu Deus, Que é Isso que aconteceu.

A comida e a sociedade.

Longe de ser o esboço de uma tese qualquer, este artigo se trata muito mais de uma reflexão de fim de tarde, não muito mais do que isso, totalmente descartável, não vale mais do que meia hora inicial de um velho jogo de futebol sem graça, desses que a pandemia está nos dando a oportunidade de ver de novo. Mas é fato. O mundo já sabia, em 1789, que havia uma farra gastronômica infindável entre as cortes do Velho Continente e suas imitações Novo Mundo afora.

Isso se conta abundantemente através de longa literatura, seja aquela francesa contemporânea, via penas como as de Balzac, seja como outros mais recentes, como a de Proust, só para citar dois grandes da história da escrita.

Os romanos e antes deles os gregos e antes deles os chineses, persas, babilônicos e outros povos bíblicos, já faziam festas exclusivas e privadas entre os bacanas, ou seja, entre os que frequentavam os bacanais, poderosos da política, da religião e das armas, onde se servia iguarias de mesa e cama.

A plebe, quase sempre escrava, estava lá para servir e depois documentar em casa o que e como aquela gente comia.

Desde sempre a imagem de poder político esteve ligado à fartura e a diversidade, elementos que só foram coletivos em sociedades não diferenciadas, onde a propriedade nunca deixou de ser comum à todos, sem distinção de qualquer tipo, a não ser aqueles privilégios consentidos aos sábios da aldeia, detentores das experiências anteriores, capazes de ditar regras aceitas por aquela comunidade.

Sexo e comida, regrados por catálogos de comportamento, fizeram de povos nômades como os judeus no deserto, rejeitarem o desconhecido, protegerem-se dos desejos do estômago e da genitália, quando em contato com outros povos e costumes.

Impuros tornaram-se aqueles deliciosos momentos de prazer, que traziam consequências indesejáveis, seja num mal que se esvai pela fossa, seja em barrigas que carregavam reproduções nada desejadas.

Ao contrário, estes mesmos caminhavam sem regras no triângulo formado pelos TOP 5% da pirâmide social de todos estes lugares.

O que comiam os frequentadores das coberturas da sociedade, enquanto olhavam de boca cheia o povo trabalhar?

De tudo que poderia ser transformado em iguaria pelos cozinheiros de qualidade, muitas vezes disputados a tapas entre os mais poderosos.

Tantos são os mitos que cercam estas iguarias, desde que se deu posse à propriedade das condições de preparar alimento, desde a posse da terra até o monopólio do moinho de trigo, desde o desvio do curso de rios para privilegiar este ou aquele poderoso até a inacessibilidade dos menos favorecidos a certos produtos que jamais serviram às classes trabalhadoras.

São tantos os exemplos.

A Revolução Francesa foi responsável pela promiscuidade positiva e desejada entre classes, na medida em que derrubou do altar uma parcela dos poderosos, aqueles que detinham a propriedade da terra e que só se mantinham no casulo por conta dos títulos de nobreza que deveriam querer dizer riqueza de antão, que agora só se mantinham às custas de impostos cada vez maiores. Deveriam ser uma forma plena de conteúdo, mas tinham deixado de ser. Com dívidas crescentes, os nobres vendiam sua exibição de riqueza em troca de trocados.

Do outro lado do mercado, os burgueses compravam os dante desejados título de nobreza e com eles – muitas vezes – as terras que os justificaram algum dia, pretendendo-se em condições de – agora sim e finalmente – ter acesso àquelas maravilhas decantadas por todos cantos, de como era bom ser poderoso.

Ou então, as terras tornaram-se minifúndios, terras que passaram a pertencer a quem nelas trabalhavam, como ocorreu com as propriedades dos grandes da igreja católica, particularmente em propriedades da Borgonha, que se tornou símbolo da defesa do conhecimento popular, seja na comida, seja no vinho.

É óbvio que não se chegou impunemente ao fim do século XIX, do ponto de vista dos privilégios. Estes vinham sendo questionados por tantas questões, mas nesta diversidade, tudo confluía, tudo se representava na mesa.

Até porque, os nobres destituídos de sua capacidade de gerar riqueza livravam-se de seus melhores funcionários, os cozinheiros que, sem trabalho, inventaram esta instituição tão conhecida por nós chamada “restaurante”, onde puderam expressar aos comuns – na medida que seu dinheiro era capaz de representar o fausto da Corte – o que se comia e como se comia entre os ricos.     

Ferramenta para Impulsionar o Paladar e os Sabores na Boca. Cada coisa que inventam, né?

artigo traduzido livremente e sem autorização do site “O Vinho Acessível a Todos” de Emmanuel Delmas – de 1º de Abril de 2020

Traduzo e edito livremente este artigo que me pareceu relevante de Emmanuel Delmas, um cara que eu sigo, meio por acaso, e compartilho minhas preocupações e reflexões. Suas conclusões nem sempre são as minhas, nesse caso, acho tudo bizarro, mas vamos ao artigo:

Sommelier & Consultant en vins, Paris

“Há um ano, me interesso seriamente por tudo que trata do gosto. De que maneira , fisiologicamente falando, os gostos funcionam na boca. Um cliente que se tornou amigo, é um conceituado cirurgião de implantes no 15º Bairro de Paris e dá estágios para cirurgiões maxilo-faciais e outros especialistas em implantes, o que inclui desdentados parciais ou completos, arcadas incompletas e outros casos complexos.

Nicolas chama cirurgiões de ponta, que ocasionalmente operam em live, para encontrar soluções e pistas de reflexão a situações delicadas. O legal é que Nicolas é enófilo e quer também conhecer e intervir na escala de conhecimento, ele me dá seu parecer sobre os diferentes praticantes.

Por seu amor pelo vinho o levou a me convidar por um projeto diferente: Ele me convidou a uma degustação harmonizada com um chef. Ele não entende não gosta de vinho branco. Ele consome “Que du vin rouge!”.

Montamos um pequeno time de degustação, convidando um amigo e colega para formarmos os três uma pequena confraria da fisiologia do gosto e tentar contribuir para o desvendar por quais canais o mecanismo do gosto se expressa, funciona. Para a primeira prova, trouxe duas belas garrafas de Cahors para degustarmos.

Vin de Cahors

A experiência foi tão boa que me convenci plenamente que a saliva é o veículo que leva a boca a reparar o gosto das coisas. Sem a saliva não há gosto! Lógica implacável!

Não saboreie o vinho, isso não serve a muita coisa, não adianta muito, é um desperdício!

UM TELEFONEMA INESPERADO! 

Um dia, Nicolas me liga pedindo que fosse a seu consultório imediatamente ‘Tenho uma ferramenta que pode ser de seu interesse!’

Em dois minutos estava lá, parecia um apelo urgente. Ele me diz que um de seus associados e um eminente pesquisador criaram uma ferramenta que permite exacerbar os gostos na boca! Ele me passou detalhes muito técnicos e me pediu para testar. A dificuldade começa pelo fato que a peça demora algumas semanas, é apenas um protótipo, mas tudo indica que é uma ferramenta revolucionária.

Le propulseur gustatif

O impulsionador

Genericamente falando, o aparelho se posiciona na boca e permite abrir a mandíbula ganhando maior espaço para facilitar as trocas de sabores e impulsionar o gosto! Entre outros inconvenientes, o objeto é produzido sob medida, e portanto pessoal, intransferível.

Vou testar por algumas semanas, em princípio durante o mês de Junho, quando estará a meu dispor. É fácil e colocar e indolor, 15 minutos antes de cada degustação, o tempo da saliva se habituar à sua existência e incorporá-lo, mas estará disponível apenas para alguns profissionais escolhidos a dedo.

Retornarei apenas eu o tenha em minha posse. Evidentemente estou curioso para ver no que vai dar! “

Harmonização – antônimo de desarmonia

saiu originalmente no jornal Vinho e Cia de 2020_02




Chamamos de harmonia o que os franceses, espanhóis e outros chamam de casamento (mariage/maridage), enquanto os italianos e ingleses chamam de emparelhamento (abbinamento/pairing). 

Não sei o porquê de não seguirmos a tradição dos outros latinos que remetem a relação entre comida e vinho a um par que deve agir no limite do ideal, seja dançando, conversando, transando…seja sendo partes de um mesmo par.

Mas harmonia é bom também, provavelmente por inspiração da harmonia musical, que é fio condutor da melodia, que estabelece o andamento, a aparição e permanência de cada instrumento, a eleição de cada um. Quem sabe a harmonia até seja melhor do que o casamento ou emparelhamento, porque não se trata de um adaptar-se às características do outro, com as necessárias modulações das arestas de cada parte, mas conceder a todas as características dos componentes um lugar de certa importância. 
A gastronomia sai da cozinha e pode se tornar eno gastronomia quando se junta ao vinho e vai à mesa.

Na mesa, ambas as atividades fazem parte de um todo que longe do isolamento das redomas, abrange som, arquitetura, decoração e talvez, principalmente, empatia.

Já vi vinho e comida na mais completa integração serem desintegrados por uma mesa vizinha povoada de 8 pessoas dispostas a discutir besteira, em voz alta para que o salão inteiro pudesse ouvir, impondo-se de modo a quebrar qualquer possível encanto.

Já vi casal se desfazendo em discussões caseiras diante de um bel prato de Spaghetti a Carbonara muito bem acompanhado de um Langhe Nebbiolo de boa estirpe. Já vi um belo Steak aux Poivres com Cornàs ir pro beleléu, porque no local o som era de Funk brasileiro e as paredes eram de laranja cheguei e os convivas estavam claramente fora de seus lugares! 

Tudo que acontece em torno da relação entre a comida sólida e o líquido fermentado de uva pode interferir.

Vale começar pelos pré-conceitos que cada um de nós carrega para a mesa. Quais? Todos, porque somos caixinhas fechadas em torno do gosto consolidado, difícil de assimilar qualquer coisa que coloque em risco nossas vãs certezas. Só para ficar num exemplo, se você for procurar em sites italianos quais são os melhores vinhos para o nosso Spaghetti a Carbonara aí de cima, verá citações de vinhos brancos do Lazio, do Lago di Garda e de Vêneto, antes de apresentar alternativas de tintos de uvas mais ácidas, como um Valpolicella não muito alcóolico. 

Obviamente, o pré-conceito – ao contrário do exemplo acima – pode tornar-se um escudo a favor da combinação proposta, não pela qualidade do casamento comida-bebida, mas pela tradição, por alguma referência afetiva escondida em algum lugar de nosso cérebro, uma associação quase que exclusiva entre você consigo mesmo. 

Uma vez em Roma me serviram numa Osteria bem simples um quitute diferente – tripa de cavalo enrolada numa pimenta calabresa seca, levadas ao forno de lenha e quase queimadas. O defumado me jogou para um vinho simples como o lugar, um Chianti de palhinha, quando insistentemente o garçom queria me fazer experimentar um Frascati envelhecido. Tanto fez que acabei por provar uma taça, para que então eu pudesse humildemente concordar que aquela era a melhor combinação que o meu dinheiro podia comprar e a casa podia oferecer.

É um pouco por isso, que gente séria acha que não é sério o trabalho de harmonização. Que você pode perfeitamente combinar com o que te vem na telha, aquele vinho que você estava ansioso por provar, mesmo que a comida possa parecer imprópria.

E daí, perguntam os defensores do Marriage Relax , “o importante é você sair da mesa satisfeito com o que comeu e bebeu, o resto que se dane!” Para estes, não importa tanto que há gente como François Chartier e seu ótimo livro “Papilles et Molécules: La Science aromatique des aliments et des vins” (Ed. La Presse), um tratado sério.

Não importa trabalhos como os consagrados por Hugh Johnson, Jancis Robinson, Enrico Bernardo e tantos outros. Para estes, o vinho tem que retornar a seu lugar de descontração, porque a tentativa de transformar em ciência os atos de comer e beber só atrapalham os prazeres da mesa.

Vale continuar pelos excessos de salamaleques que os servidores do salão se acostumaram a utilizar, movimentos circenses e tantas vezes ridículos – porque, depois de 200 anos, totalmente ultrapassados neste século dos Fake News- para fazer chegar à mesa pratos que não têm tanta pompa e tão pouco circunstância.

Falando em Osteria, um lugar sempre simples como um boteco de esquina de SP, fica fora de lugar um profissional querer servir como se ele estivesse trabalhando no Fasano.

Além disso, a presença de um sommelier muito invasivo e cheio de regras pode inibir desde o aconselhamento do vinho, um perigo, aliás, porque pode envolver uma parte muito sensível dos consumidores, o bolso. É possível até que o melhor seja um vinho local, mesmo que o melhor seja de fato o vinho mais caro, o vinho indicado, não digo que não.

E com que prazer comi no 1884, o Mallmann de Mendoza, numa época que a Paola Carossella ainda estava por lá, particularmente relaxado depois de ler esta frase que estava em algum lugar do cardápio: “Creemos que el maridaje es un ámbito ligero y superfluo donde la comodidad de la armonía se reclina en una ficta elegancia que anula lo posible. Lo posible es el motor del deseo; inspiración del drama, del arte, de la infidelidad y de la traición, que son algunos rasgos de la civilidad y la belleza humana”. “Ficta elegancia”…que luta contra o prazer possível. Pois digamos que o melhor para acompanhar suas ostras frescas apenas saídas do mar, temperada naturalisticamente com a água salgada do mar, tem como sua companhia dos deuses, um Sancèrre do limite entre o Loire e a Borgonha francesas. E daí, se você não tem nada que se pareça à sua disposição? Deixa de comer as ostras, troca de prato ou aproveita o frescor e a acidez do sauvignon Blanc Novo Mundo que tiver às mãos? É esta a proposta, me parece. É relaxar em nome do que se pode ganhar numa trip gastronômica.

Lembro ter escolhido o vinho mais barato da carta, desde a mesa que ficava ao lado da bancada dos pães, que exalava o perfume do tostado, do azedo, com um fundo de leveduras de cerveja. Pois melhor e mais importante que a comida escolhida, era esta localidade olfativa, esta proximidade com os pães que saiam daquele forno a uma temperatura excepcionalmente alta, que caracterizava aquela culinária. O vinho, elogiado pelo nosso atendente, cumpriu perfeitamente o papel de complementar todo extremo prazer olfativo que os pães nos traziam.

Penso complementar a excelente reflexão argentina acima, dizendo que vinho e comida devem ir se conhecendo aos poucos, através dos olhos, narizes, céu da boca e língua dos convivas. Deve se aquecer na cavidade bucal, misturar-se com a salivação e com os contrações e descontrações das mandíbulas, numa dança quase erótica, quase onanística. Porque dificilmente é de se compartilhar, mesmo que todos os degustadores confirmem e concordem com as suas impressões.

Está cabeça demais este papo, não é? Então vou parar por aqui.

Balancete incompleto 2019. Ou o samba do criolo quase doido.

O que mais curti no ano que passou foram os espumantes brasileiros.

Para falar sobre isso, peço desculpas antecipadas aos poucos que me leem, mas serei obrigado a citar um certo número de nomes, assim como peço igualmente desculpas aos que não citarei, muitas vezes por desorganização, esquecimento ou ignorância.

Sabe o que é?

Veio até o Steve Spürer, na babação de ovo da IBRAVIN, dizer que os brasileiros tinham tipicidade, eram leves, alegres e jovens como o povo deste país. Um papo nada novo, que confunde potencial com nicho de mercado. Aquela palhaçada promovida pela IBRAVIN de trazer um Super Star do mundo do vinho para avaliar os cavalos paraguaios do hemisfério sul contra os brasileiros, de estabelecer o que é bom e o que é ruim, antes mesmo de abrir a garrafa, está de longe superado.

Sim, podemos e devemos fazer os vinhos que são aceitos aqui e acolá, como as vinícolas estão fazendo quando pensam numa porta de entrada mais acessível aos mercados maduros e competitivos, como o dos EUA, da Alemanha e da Inglaterra. Nesta estratégia, vejo produtores trabalhando com seriedade, produzindo vinhos de boa aceitação entre os mais jovens, seguindo as lições que os australianos da Yellow Tail deram ao mundo todo.

Ou seja, traduzindo para quem não entendeu bem: Dizem os militantes da excelência atingida “vamos deixar estes caras concorrendo com os espumantes mais levinhos, enquanto reservamos o mercado mais nobre para os tradicionais de Champagne”.

Ou seja, façam por aqui um vinhozinho fácil de beber, atendam o mercado crescente, que dos grandes apreciadores ocupamo-nos nós, como sempre, desde que a Viúva conquistou a corte russa.

A verdade é que o mundo vem fazendo sombra às borbulhas de Don Perignon desde que os franceses foram ensinar catalão fazer espumante, nos idos de 1800 e bolinha, com as uvas locais. E a sombra não parou de crescer depois que apareceram os grandes italianos de Franciacorta e os grandes do Douro em Portugal.

“CHEGA DE CONCORRÊNCIA”, ouviu-se um grito lancinante desde a catedral de Reims, chega desta gente querendo tirar o que é nosso.

Enquanto ninguém se aventurava a fazer grandes incursões no espumante excepcional, que exige paciência e capital, que obriga uma aposta no futuro e no prestígio da casa que se aventura a isso, tudo bem.

Foto do Luiz Cola

Nove vez fora o Geisse, ninguém ia tão longe na autólise e na aposta, até onde sei, apesar de várias tímidas tentativas neste sentido, que estão em laboratório desde o início do milênio.

De repente temos ai vários produtores nadando de braçada nesta onda de produtos cujo perfil atende os mais exigentes, os maiores conhecedores…aqueles que compram produtos de primeira linha, não para ostentar com o rótulo, mas para fazer honras ao máximo que aquela composição permite.

Abrem espaço e servem de incentivo para produtores de grande qualidade como a Vallontano e a Angheben, só para citar duas com consagrada qualidade, que já fazem bons produtos ao método tradicional mas eventualmente sem condições financeiras de apostar tão alto.

Recupera a vontade de apostar numa Routhier&Darricarrere que tirou de linha seu Ancestral por falta de público, apesar de ter-se voltado para um incrível Red e um superior Província de São Pedro Natural Extra Brut…

Mas foi nos grandes espumantes que me agarrei.

Luiz Argenta Rosé Nature, o Azir Salton, O Nature Pizzato, o Biografia Brut Maximo Boschi e o Iride Miolo, defendem meu ponto de vista – reescrito à exaustão – que esta coisa de ter um espumante tipo brasileirinho, leve e solto, jovem e gostozinho é conversa pra boi dormir.

É defesa de território, quando se trata principalmente de decisão comercial: será que o mercado consegue absorver meus vinhos mais caros ou não?

A Routhier&Darricarrere fez um a la anciene e decidiu que o mercado não pagava, desistiu, ao menos por enquanto.

Quem sabe produtos como os citado acima + os Valduga – particularmente este Sua Lie que encanta a todos – o X Decima, Vallontano e os Estrelas do Brasil incentive alguns produtores a fazer mais e mais produtos que procurem a excelência, por que não?

Vinhos de uvas colhidas na hora certa, vinhos que suportam longos processos de sobre-borras e tecnologia e enologia suficientes para manter – ao longo do processo – toda a química sobre controle, têm dado muito certo, mesmo fora da supervisão de nosso mestre mais consagrado, seu Mario Geisse, que, não contente em fazer seus grandes borbulhantes, andou prestando ótima assessoria por ai, incluindo o Perini, que assim entrou na categoria dos bons e baratos no género.

E mais, bem mais: no degrau mais baixo da escada da excelência, a saber os produtos com menos tempo de sobre-borras e sem ainda a necessária relação de acidez e maciez para construir um enorme Nature.

Honra a Chandon que continuou num lugar de destaque entre os Charmat, a Perini, a Aurora de Pinto Bandeira, a Peterlongo – que revigorou-se – a Aliança, o Zanoto, o Bueno, a Pericò, a Villa Francioni, O .Nero da Domno…honra até as duas uvas mais brasileiras que italianas, a Riesling Itálica e a Moscatel, que atingem a maturidade, depois de um longo ciclo de ajuste de qualidade.

Ou melhor, o que mais curti foram os brancos brasileiros… ou quem sabe os tintos brasileiros.

OS TRANQUILOS DO ANO

Moral da historia, o que mais curti foram principalmente os brasileiros em geral, brancos e tintos tranquilos, brancos e rosés espumantes.

Salamanca do Jarau, o melhor cabernet sauvignon; Maria, Maria, o melhor tinto de inverno, Sauvignon Blanc Guaspari; o branco mais Bordeaux que se faz no continente; Semillon Pizzato, o mais surpreendente dos vinhos especulativos dos últimos anos; os primeurs da Miolo, um melhor que o outro. Os Luiz Argenta, que justificaram o design, saindo da armadilha das grandes garrafas para se mostrar uma vinícola de grande respeito. Os Valduga de primeira seguem a linha aberta pelo ícone Storia, que junto com o Lote 43 formaram a linha de frente da nova enologia brasileira. O Concentus Pizzato continuou se afirmando como o melhor corte brasileiro. 
Os melhores vinhos tintos continuaram sendo, agora em novas safras, mostrando grande consistência produtiva, dando confiabilidade importante a si, o Lote 43, o Terroir Miolo e o DNA99 Pizzato, por mais que tenham se apresentado tantos vinhos de respeito.

O Serena, Pinot Noir biodinâmico não chegou a me empolgar, talvez porque cria-se tal expectativa quando um vinho custa tão caro assim, que qualquer coisinha resvala, a exigência fica alta demais. Quem sabe os anos e as próximas safras me atinjam com o raio da adoração, como ocorre já com outros tantos amigos e entendidos, que estenderam o tapete vermelho para ele e lhe deram o trono do que há de melhor que se faz pelo Brasil. O Syrah Alma Única merece estar na lista. Villagio Bassetti, Pinot Noir idem.

Enquanto os vinhos (bem) acima dos R$150,00 pululam no mercado - geralmente pequenas produções vendidas particularmente para os restaurantes mais procurados pelos estrangeiros no Brasil, que querem e podem experimentar o que há de melhor feito por aqui - os abaixo dos R$70,00 brasileiros cresceram muito, os brancos frescos são bons, mesmo os chardonnay que até então andavam banhados em madeira, à procura de um caminho que exige muito maior investimento. Um bom exemplo? O Pinto Bandeira Aurora. Outro exemplo? A linha Fausto, com a minha preferência especial ao Rosé de Merlot. Mais alguns? A linha Estância dos Guatambu de Dom Pedrito, a linha Paradoxo da Salton, os blends da Sta Rita dos vinhos de altitude.

Os Pinot Noir começaram a por as mangas de fora, tem um ou outro que não segue mais o padrão esdrúxulo do suquinho de uva com gostinho de fruta vermelha, que se costuma fazer com esta nobre cepa, que bem podia ser feita com o mais simples e jovem Gamay. 

Finalmente os Cabernet Franc, uma avalanche, alguns muito bons, foram a boa tendência. Esta uva, responsável por boa parte dos vinhos do Loire e do lado direito de Bordeaux, já foi importante no Brasil, pode ter sido a primeira grande vitivinífera que tivemos na região que se consolidou como o Vale dos Vinhedos. Decaiu, em parte por conta da fragilidade perante fungos e más escolhas de clones, em parte porque acostumou-se a fazer um vinho pouco tânico, com alta acidez e juventude. A tendência atual é fazer vinhos bem mais concentrados e de guarda, com bons investimentos.

Chama a atenção produtos como o Parcela Única Perini e o Philosofia do Goes de São Roque, mas não podemos esquecer que o Aurora Pequenas Partilhas jamais esmoreceu, está firme e rijo desde o primeiro lançamento!

É isso aí, que a década que se inicia traga melhores alternativas políticas para o mundo e melhores e mais acessíveis vinhos para todos.

Que as insidiosas burrices comercial e fiscal sejam expelidas para o ralo desde as latrinas dos burocratas de plantão em Brasília, que o vinho finalmente seja taxado como alimento e não como artigo de luxo!

As recomendações do amigo Vincenzo

Poucas vezes tive contato com alguém tão polêmico com este ex-professor de patins que veio ao Brasil atrás de um rabo-de-saia e só voltou à sua Lucca, de modo definitivo, 40 anos depois, seja para tratar de sua mãe, seja para dividir com sua irmã o restaurante da família em Lucca (Ristorante Puccini, corte San Lorenzo 1/3, tel. 0583-31.61.16 {chiuso a Mezzogiorno di martedi e mercoledi}), seja para tratar de seu crescente glaucoma, seja para se livrar de vez das confusões com as contas de seus restaurantes.

Vincenzo Venitucci teve seus momentos num restaurante na Pompéia, SP. O família Venitucci causou por algum tempo, enquanto a qualidade da cozinha venceu o embate contra a decoração de mau gosto e o atendimento autoritário do chef.

Vincenzo foi-se do Brasil criando ao menos um amigo – eu – que tenho como troféu a Língua à Cardinale que ele me ensinou fazer, que nada mais é do que uma língua cozida, servida fria, temperada com um molho de pesto, tratada como se fora um embutido…ou seja, com 3% do peso da peça em sal, curtida por 3 semanas até que toma um banho de grogue à base de vinho, cravo e canela, para ir à panela apenas uma semana depois disso. Dela fiz tantas variáveis, quentes e frias, mas a base, a textura, sempre segui com fidelidade canina.

imagem pertence a Depositphotos

Em 2005, estava para ir à sua seara, a Toscana. Pedi-lhe algumas indicações por email. Segue a sua resposta. Como não consegui recuperar o dito escrito, reproduzo o que tenho em papel.

  • Mi felicito per la tua prossima BRENO´S WINE AND GASTRONOMIC ADVENTUR. Non so ancora se devo reagir com rabbia o invidia, per non partecipare con te. Però, pensandoci bene reagiró, con la Maggiore felicitá per te. Divertiti e gode. Se mi permetti, dal momento che mensioni la Toscana dei Tuscii, sicome io sono veramente un discendente puro d’ Etruria, approffiterei per dare un poco di “brilho” in più alla tua barba ed ai tuoi baffi.

BISTECA ALLA FIORENTINA – particularmente pertence aos animais da Val di Chiana. Peso ideal, 900g, feita de filetto e controfiletto. Assado por cinco minutos ao máximo de cada lado, de preferencia na brasa, mas pode também ir para a grelha. Regue com azeite extra-virgem quando já está no prato. Acompanhamento – feijão Cannelini espanhol e saladinha

Castelo, agro-negócio na Toscana, perto de Siena

(vinho Chianti, sem discussões)

FORMAGGIO-Na região de Sangiminiano, Volterra e Montalcino,

você encontrará queijos de ovelha de comer de joelhos. Queijos frescos e curados. Vinho Scalabrone della Tenuta Belvedere di Bolgheri (Livorno).

SALAMI DI JAVALI – tudo pode acontecer no mundo, mas…na Toscana dificilmente você encontrará salame de cinghiali.

Ou terá linguiças ou presunto. Estes são os dois clássicos desta besta peluda Existem frescos ou conservados sott’olio. Coma com pão caseiro, de preferencia sem sal, azeitonas negras em salmoura, alcachofrinhas e funghi Porcini sott’olio.

Como se trata de especialidade de Siena, beba SASSOALLORO Biondi Santi

FUNGHI – vocÊ vai chegar na Itália no fim da estação de funghi (outubro/novembro). Tente comê-los fritos com costeletas de cordeiro a milanesa. Bebida? Sem hesitação sugiro CARMIGNANO, Tenuta di Capezzana.

TARTUFI DI SAN MINIATO – e de onde, se não for daí? Merda di Venitucci, canalha, velho chato de merda, nervoso, pretensioso etc.

Se sou tudo isso, porém amo falar, dizer verdades, expulsar as mentiras e historias falsas. Creia-me, Breno.Há muitos anos, quando se fala de trufas brancas se deve pensar naquelas de San Miniato. E quando se fala das pretas, se deve pensar nas de Norcia, Umbria. Mas como sou Etrusco, fiquemos na Toscana, deixemos que os da Umbria defendam-se por si.

Todos sabem que o Piemonte e particularmente a cidade de Alba, não tem praticamente nada de trufas, pois sua produção atual é praticamente insignificante. Tornou-se uma SERRA PELADA! Retirada indiscriminadamente durante decênios. O uso dos suínos, que sendo porcos encontrava um e comia dois. Você sabe que o porco usa para retirar a trufa seu nariz como se fosse um arado. É igual a Attila, rei dos Unos. Por onde passa porcos e Attila, nada cresce, nem grama.

VINO CHIANTI DA PROVÍNCIA DE PISA. GRANDE…GRANDE…GRANDE – Nada a dever os grandes Gallo Neri.

Os mais importantes são:FATTORIA DELL`UCCELLIERA – FATTORIA SAN GERVASIO – FATTORIA BADIA DI MORRONA – TENUTA ENRICO PIERAZZUOLI

Os vinhos nascem do petróleo?

Vindo das profundezas mais profundas, a negra mão do capitalismo, a fonte de lucro das 7 irmãs, a mais lucrativa das matérias primas desde a segunda revolução industrial, o petróleo é finito, polui, deixa o ar fedido e é do mal… cada vez mais.
Mas, e não pela primeira vez na história, nasce deste mal um bem gerado por quem o possui.

BULGHERONIAlejandro Bulgheroni, além de ter investimentos no ramo do petróleo no México, Argentina e outros, faz um Blend de vinícolas norte-americanas, argentinas, uruguaias e agora italianas, com a compra recente de três casas toscanas a partir de 2012, a Chianti Dievoli, e a homônima montalcina e agora a Meraviglia de Bolgheri.

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em Bolgheri, com as costas para a montanha, com o nariz para a Córsega

Blend que ficou ainda mais famosa depois do grande prêmio conquistado pela Garzon, braço uruguaio da holding, como a mais interessante vinícola do mundo na Critic’sChoice Awards 2018, seja pela ousadia no relacionamento com os amantes de seus vinhos, seja como investimento, seja ainda como vinícola produtora de vinhos TOP que respeitam a sustentabilidade do ambiente em todos os níveis.GArzon Balastro

Bulgheroni mostra o tempo inteiro que não está para brincadeira, não está nem um pouco afim de ficar queimando dinheiro bom do velho combustível fóssil com esta novidade que nasceu apenas a 5 mil anos, o vinho. Ele ganha dinheiro, porque entendeu a essência do negócio, e parece que nunca deixou de entender. Como diz um artigo da GamberoRosso – quem sabe a mais antiga e prestigiada certificadora de vinho da Itália – dar-se o nome de Meraviglia à vinícola de Bolgari recém adquirida é assumir para si que é possível fazer o máximo na região, por mais que ela esteja impregnada de grandes produtores de excelência engarrafada. Com vista que domina a campanha de Bolgari, virgem de defensivos agrícolas e com alcance que nos leva até as montanhas da Córsega, a vinícola já disse a que veio, do ponto de vista de seus produtos de primeira qualidade.
Mas não vai ficar por aí, porque o que vai ser em 2022 vai reunir wineshop com sala de degustação de 120 m² e uma estrutura de ambientação da experiência vínica, como em todas outras vinícolas do grupo, aliás. Trata-se de investimento da ordem de 12 milhões de euros (cerca de R$55 milhões).

OS VINHOS – 20190926_174211Mas nós viemos aqui para refletir sobre a economia que transforma combustível de maquinário em combustível de prazer ao corpo humano, ou para falar de vinho, este produto que quase nunca sabe manter seus amantes satisfeitos, que logo tem pensamentos infiéis à menor aparição de um rótulo novo?

Na degustação o que me agradou mais de todos é um produto menos importante, menos trabalhado, menos caro, aquele que quase cabe no meu bolso, falta só custar 2/3 mais barato!

É do Brizio Rosso di Montalcino que estou falando… ele passa por 12 meses de tonéis de 5400 litros de carvalho francês sem tostagem, marca do enólogo Alberto Antonini, o cara que se consagrou na Garzon.

Mas falo também, é o vinho que se quer à mesa, quando se trata de harmonizar com alguma comida mais suculenta, carente de uma acidez para complementar, uns taninos elegantes.

Sim, sim, está bem _ senti os identitários, as frutas vermelhas maduras, a cereja e morango, as especiarias, particularmente a pimenta do reino. Mas JAMAIS recomendo um vinho porque ele cheira a compota. Indico porque ele atende a expectativa, porque ele é uma expressão correta de um determinado vinho de uma determinada região. Pois este é um autêntico Rosso di Montalcino, só que mais elegante do que normalmente costumam ser.
Mas depois veio o irmão mais velho dele para a taça, muito tudo, madeira, concentração, compota de tudo aquilo que tem no Rosso, mas multiplicado a enésima vez, tornando-se, no meu entender, um vinho enjoativo à segunda taça, fruto 4 anos de madeira, exigência da Denominação que quer manter este padrão de vinhos clássicos.

Numa versão custa mais de R$650, na outra, quase R$1000.

Ai, tiro da manga a valorosa reflexão do Slowfoodista di Bergamo, Luigi Veronelli, o primeiro grande pensador do mercado odierno de vinho – Estes aí me trarão 3 e 5 vezes mais prazer que o Rosso di Montalcino? Não, certamente não. Eu sei que encho o saco de quem adora aqueles vinhos sem qualquer transparência, com muitíssimo álcool e nenhuma preocupação em ser gastronômico, levando a consequências desagradáveis o que se fazia antigamente. Afinal, afinar um vinho com madeira exagerada era o recurso que se tinha para cumprir a malolática, usar de madeira em toneis que respiravam/oxigenavam o produto, numa espécie de processo constante. Mesmo assim, o bom Barolo, com 36 meses de madeira e ao menos 24 meses de garrafa, ainda precisava de uma boa hora e meia respirando na taça, na jarra ou no decanter…

Mas então, fui levado a degustar o grande vinho da tarde.

Ué, mas eu não disse que o que agradou mais foi o Rosso di Montalcino? Em matéria de vinho, a infidelidade é tamanha, que no espaço de um artigo, o cronista tende a se desmentir várias vezes. Mas neste caso é justificado, acho eu, por uma coisa além do vinho, além da simples descrição e adição dos organolépticos. É que o cara foi apresentado depois do Brunello e foi morto por esta ordem.

Como parêntesis já vi muito disso, e com a melhor das intenções: por exemplo, um amigo trouxe num jantar para 10 pessoas, 3 grandes crus de Bordeaux e um de Borgonha. Obviamente estamos falando de alguém que conhece e tem grandes vinhos para dar e vender. O Grand Cru do leste – um ótimo Gevrey Chambertin – foi simplesmente massacrado, particularmente porque foi servido depois dos outros e não tinha tanta concentração…dançou.

Me refiro ao Meraviglia Bolgheri, que veio depois de tudo. Como fazer?

Custa mais ou menos o que custa o Rosso, um pouco menos de R$300,00. Tem um ano de madeira francesa em barrica de 225 litros, tosta fina. É um corte de 30% Cabernet Franc, sendo o resto da outra Cabernet. Tudo que se espera de um vinho gastronômico está lá.

Por fim, agradeço à produção de petróleo que proporciona vinhos desta qualidade!