Complexo de vira-lata engarrafado*
04 Jun 2014 por Breno Raigorodsky em Comida e Bebida

É impressionante como nos esquivamos do ufanismo e viramos lata, quando o assunto é vinho.
O complexo de vira-lata no futebol foi identificado pelo nosso maior psicólogo coletivo, Nelson Rodrigues, no Maracanazo de 1950 e só se transformou em puro ufanismo em 1958, com a redenção nas terras suecas de Pelé e Garrincha.
Na pré-história do nosso vinho, o complexo de inferioridade não era complexo, era pura realidade, envidraçada em garrafões de 5 litros ou mais, feito de tudo menos uvas especiais para a produção de grandes vinhos, feito de uva Isabel ou Bordô, nossas clones de uvas americanas, ótimas para o suco de uva e para a sobremesa, péssimas para o vinho fino.
E apesar de honrosas e persistentes exceções como da Granja União, que plantou desde 1931, uma pá de mudas finas, algumas ainda de pé em seu antigo terroir em Flores da Cunha, do Dal Pizzol, da implantação do grupo Moet Chandon, do Antiquário da Chateau Lacave, o vinho feito em terras tupiniquins não ia muito pra frente, a não ser quando em forma de espumante, que, por conta da acidez necessárias, tem as uvas colhidas prematuras, antes das chuvas que costumam tirar toda a concentração das uvas antes da colheita, jogando para baixo o potencial de álcool, inviabilizando grandes voos de qualidade.
Mas a enologia moderna faz milagres sem recorrer a recursos que só a química explica. Ela atualmente não só permite grandes concentrações de açúcar na uva, como controle dos taninos, através de fermentação secundária e micro oxigenação, além da implantação dos clones que melhor se adaptam à determinada condição de solo e clima, previamente analisados. Vinhos que mal e mal chegavam aos 12% de álcool, superam os 14%. Casos como os do Dal Pizzol 1982, do Antiquário da Chateau Lacave do mesmo ano, eram exceções que logo se diluíam no ano seguinte, quando as chuvas vinham.
A história mudou e, pelo visto, o último a perceber será você, consumidor brasileiro, acostumado a cantar as glórias dos vinhos feitos além de nossas fronteiras.
Pois saiba que um Elo’s da vinícola LidioCarraro tem um corte de malbec e cabernet sauvignon que bate muitos argentinos cheios de fama. Pois saiba que o Lote 43 da Miolo e o DNA 99 da Pizzato, acabam de derrubar vinhos de extremo prestígio como Achaval Ferrer Malbec, Errazuriz e Clos de los Siete, numa degustação às cegas feita por 10 especialistas em vinho, vindos da Inglaterra, dos EUA, da França e de Hong Kong*.
Balela quem diz que o Brasil só tem potencial para espumantes. A Aurora de Pinto Bandeira e com seumillésime Cabernet Sauvignon, a Salton com meia dúzia de rótulos com destaque para o Desejo, a Miolo com o Lote 43, com o Castas Portuguesas e tantos outros, a Perrini com mais de 10 rótulos premiados desmentem isso a cada produto. O mesmo acontece com produtores menores como Pizzato, Boscato, Luiz Argenta, Angheben, Máximo Boschi, Don Laurindo, Lidio Carraro, Cordilheira de Sant’Ana, Familia Bettu, Pericó, Kranz e mais os que se aventuram a fazer bons vinhos de butique, seja em Santa Catarina ou no Paraná, seja em Goiás e até na desacreditada São Roque.
Este desenvolvimento já estava totalmente identificado para os mais informados do vinho, como a Jancis Robinson, o Hugh Johnson e o Steve Spurer, três legítimos representantes do faro britânico para bons produtos a se colher pelas redondezas e que há anos declaram amor e respeito ao que se está produzindo no Brasil.
Pois bem, finalizo recomendando deixar de lado suas certezas sobre os brasileiros e sem ufanismo, mas também sem complexo de vira-lata, olhar com mais atenção ao que fazemos por aqui.
*publicado no endereço: http://www.senhorasesenhores.com/complexo-de-vira-lata-engarrafado/
Breno Raigorodsky é filósofo, estudou cinema e é especializado em vinhos