Tinto, rouge, rosso, red, rojo, por que não?

O Amarante me perguntou “por que o vinho tinto brasileiro no centro do Wine In, quando nosso produto mais consagrado é o espumante?”

Como responder de forma definitiva uma pergunta que já me fizeram tantas vezes?

Respondi, mesmo sem a firmeza que gostaria poder ter. Logo Wine 2 Respondi que o vinho espumante não nos dá tantas dúvidas a respeito de seu futuro, pois seu potencial já foi tão claramente identificado que só resta melhor considerar como pode ganhar em escala a ponto de se tornar um bela produto de exportação. os Chandon Excellence, os Geisse, Angheben, Valduga, Aurora, Salton, Miolo, Pericó, Maximo Boschi e tantos outros estão para lá de testados e consagrados mundialmente, como uma das melhores vertentes borbulhantes das Américas, quiçá do mundo.

Respondi que o Wine In foi concebido para se repetir anualmente e entrar na agenda dos vinhateiros, enófilos, negociantes e formadores de opinião da área, o que nos permitiria focar nos espumantes ano que vem, se assim decidíssemos.

Depois de elogiar a sugestão pelo vinho espumante sem descartá-la, apenas adiando-a, reparei que tinha feito o mesmo com outros ilustres inquisidores como os da Embrapa, que fizeram a mesma consideração, “por que não começar com os espumantes?”

Respondi que a Wine In, sem qualquer outra avaliação, nasceu de um impulso a favor do vinho tinto, aquele que esta geração de consumidores que se formou agora, nos últimos 10 anos valoriza quase que exclusivamente o vinho tinto. Tanto que a importação de vinhos que atendem esta nova camada do tecido urbano é representado pelos vinhos tintos em algo em torno dos 80%, deixando para os brancos, rosados e espumantes 20% do conjunto.

Respondi que por conta das dificuldades logísticas e baixa escala de produção, além do tatear dos produtores sobre como o mercado se comporta nesta área, me levou sempre a pensar o vinho tinto, principalmente porque fui identificando – agradavelmente surpreso – que muito havia para degustar!

O número de rótulos superava os 50, com a maior facilidade. Se olhava para o Vale de São Francisco descobria vinhos tropicais de fazer frente a muitos outros vinhos deste gênero no mundo. Mas principalmente se olhava a partir de Sta Catarina para baixo, descobria um potencial inesgotável de vinhos  cada vez mais interessantes e, às vezes, de preço bom.

Tive esta certeza, quanto ao preço mais amistoso, quando conheci o Boscato Merlot, o Elo da Lidio Carraro, os Pequenas Partilhas da Aurora, o Salton Séries Cabernet Franc, os vinhos do Fabian, a segunda linha do Pizzato, os Fausto…

Veja, não se tratava mais de falar dos vinhos mais elaborados, com sofisticadas e caras vinificações. Eram vinhos simples que encantavam na boca e no bolso, longe daqueles que buscavam a glória dos grandes concursos mundiais. Porque estes de maior pretensão também apareciam como cogumelos, aqui e ali, se não em Flores da Cunha, na Campanha, se não lá em São Joaquim ou em Pinto Bandeira.

O que não certeza e continuo não tendo é se teremos condições de produzir em escala suficiente e com qualidade estável para nos tornarmos um player de peso no futuro do Novíssimo Mundo do Vinho, que vem recebendo outros tantos neófitos, a começar pela China que transforma em dinheiro e mercado internacional tudo, ou quase tudo que toca.

Em suma, minha resposta a favor de iniciar o processo Wine In pelos tintos sempre foi levado por certo deslumbramento confesso.

Minha defesa é que não estive só e nem me cerquei de xenófobos, dispostos a alçar o produto brasileiro só por conta de sua origem dentro do território nacional. Muitos me lideraram, outros tantos me seguiram.

É isso por enquanto. Bons vinhos, inclusive brasileiros!

Saiu na Baco – mais um escrito sobre Beaujolais e um sobre uma degustação feita por quem entende de água

 

limpida, inodora, neutra na boca
limpida, inodora, neutra na boca

 

 

 

 

denso, milhares de aromas e sabores
denso, milhares de aromas e sabores

Da água para o Vinho

 

O que público leitor vai ganhar com uma matéria que conta a história de uma degustação de vinhos feita por especialistas em analisar água, gente que entende de aromas e sabores, mas não entende de vinho? As experientes provadoras oficiais da água da SABESP, Izabel, Rosangela e Andreia se entusiasmaram com a idéia e os editores da revista idem!

 

Em primeiro lugar porque acreditam firmemente no exercício democrático do gosto e esta é uma oportunidade de ouro para refletir sobre a atividade de analisar um vinho com mais distanciamento crítico. Ou seja, todo indivíduo, especialista ou não, tem o direito inalienável de concordar ou discordar do gosto de seu vizinho de taça! Pelo contrário, o provador profissional não é um mágico nem superdotado, ser especial, capaz de detectar centenas de aromas e paladares num único gole, é apenas alguém que aprendeu a degustar.

 

Em segundo lugar pela certeza de que mesmo em se tratando de profundo treinamento sensitivo nem sempre o especialista em vinho consegue explorar todas as sensações, um pouco porque, comprovadamente, nenhum ser humano é capaz de detectar todas as moléculas aromáticas do vinho e um pouco porque esta vida de degustações quase diárias tende a viciar a análise das amostras, tende a criar uma predisposição a fazer aproximações de tipicidade, antes mesmo da degustação. Você já vai achando pimentão verde por aqui, framboesa por lá, só de ler quais os vinhos que serão degustados…

 

Em terceiro lugar ficou a curiosidade jornalística de descobrir como se dá a análise degustativa de especialistas do gosto e do cheiro enquanto defeito sobre nosso objeto de desejo, o vinho. Pois se para nós, as maravilhosas combinações de aroma e sabor são atributos para lá de positivos, para elas não.

 

Até porque, vamos nos entender, muitos milênios antes de serem aparelhos de prazer, olhos, nariz e boca são sensores de defesa, prontos a defender o corpo do ser humano contra o podre, o acre venenoso, o dejeto, o fogo que se espalha colocando em risco a comunidade, o trotar dos bisontes que podem tudo destruir pelo caminho. São cheiros, rumores e sabores de força atávica, preparados para discernir o que é bom e o que não é para consumir, para manter a saúde, para sobreviver.

 

Portanto, o corpo está naturalmente preparado tanto para a rejeição quanto para o prazer, mesmo que o distanciamento da natureza e os caminhos trilhados pela civilização nos deixe enferrujados, em todos os sentidos.

 

Da água para o vinho, o pessoal da SABESP mostrou-se indiscutivelmente preparado e não teve qualquer dificuldade em identificar aromas e sabores, assim como soube inverter o vetor de suas análises, para considerar benesse perfumes e sensações de paladar que, em situação profissional, considerariam defeitos!

 

A DEGUSTAÇÃO

 

As moças não se intimidaram com as taças, rótulos ou fama dos especialistas presentes. Falaram grosso sobre tudo, com muita segurança e sem meio termos, mostrando que têm aptidão e treino para a coisa.

 

E foi neste falar grosso que se apresentou a primeira grande diferença – o degustador do vinho costuma ser muito cuidadoso na crítica aos produtos que analisa, pois sabe que sua avaliação altera comercialmente o vinho, que ganha ou perde mercado dependendo desta avaliação e dependendo da importância midiática do analista. No limite, a cada nota acima de 92 dada pelo Roberto Parker, o mais notável degustador, determinado vinho ganha importância de mercado e cria procura renovada nos consumidores. Ao contrário, se um produto recebe uma nota menos importante, o vinho analisado pode cair no esquecimento, como tantas vezes acontece. Por isso há uma ética consagrada que não permite comentários destruidores de formadores de opinião, até porque atrás de um vinho tem gente trabalhando, tem interesses de toda ordem que não devem ser levianamente deixados de lado.

 

No caso da água, não há qualquer ambiguidade política – a consciência do analista está 100% ao lado do consumidor. Só importa que aquela água analisada esteja em ótimas condições de consumo, o resto é lixo!

 

Estamos, nós, gente do vinho, tão acostumados a rodar a taça à procura de um aroma cítrico, de um xixi de gato voando no ar, que tendemos a aproximações pré-classificatórias, pré-determinando resultados.

 

Com certa surpresa, viu-se as três especialistas da água esbanjarem comentários pertinentes, mesmo que usando uma linguagem própria à analise da água.

 

No meio aos aromas prazerosos, souberam apontar sem perdão excessos defeituosos de álcool, adstringência, aromas medicinais e outros aspectos nada tão positivos.

 

Por certo, nem tudo é delicioso no mundo dos aromas e sabores do vinho. Entre eles, é comum encontrar defeitos, desde o mais natural – quando o vinho se torna vinagre por falta de estrutura para aguentar a passagem do tempo ou por mal acondicionamento – ao mais artificial – quando o vinho está cheio de químicas de conservação ou foi afetado por algum fungo no processo produtivo… E é tarefa do degustador indicar estas incorreções.

 

Mas, na maioria das vezes, o que se identifica num vinho são seus atributos positivos, mesmo que estes sejam mutáveis, permeáveis à moda. Pois no pêndulo do tempo, o bom vinho na Grécia Antiga e no Império Roma era diluído em água e protegido por resinas. Nos séculos que a Inglaterra e a França disputaram Bordeaux, vinho era um clarete de pouca concentração alcóolica. Na França e na Itália do começo do século XX, vinhos bom era aquele que apresentava taninos vivos e ótima harmonização com a comida. Na década de 70 do século XX, os vinhos ganharam um outro patamar de sofisticação, tornaram-se redondos, alcóolicos e cheios de madeira, para competir com os destilados que sempre foram bebidas de reflexão, que raramente iam à mesa. Hoje a tendência é serem mais frescos e naturais.

 

O Marcelo Copello escolheu uma gama de vinhos propositalmente variado: Gamay da Salton, Syrah de um inesperado excelente produtor goiano, o rosé da Villa Francione que acabou de ganhar o prêmio Top Ten da Feira, um orgulhoso Riesling seco austríaco, um português nascido de um enólogo australiano, finalizando com um Porto Ruby. Gama para nenhum degustador botar defeito.

 

As preferências ficaram entre o Riesling alemão, o rosé de Santa Catarina e o Syrah goiano.  Abaixo, a análise compilada das três degustadoras sobre os seis vinhos, que trocaram a água pelo vinho, ao menos por um dia. :

 

  1. Gamay – Cor rubi claro, salgado, álcool muito acentuado na boca, pouco corpo, pungente
  2. Syrah – Cor vermelho intenso, odor de vegetação, o álcool irrita as papilas, picante, madeira, amargo
  3. Rosé – Cor salmão, Frutal, abacaxi, cítrico, erva doce, gaseificado, doce e ácido
  4. Riesling – Cor amarelo claro, legumes cozidos, vegetal em decomposição, salgado, carambola, sabor efervescente, uva doce, pera, pêssego
  5. Tinto alentejano – Cor vermelho intenso, odor de terra, beterraba, vegetação, adocicado, madeira, couro, ameixa, tabaco, queimado, salgado no início, doce no final da boca. Cor marrom claro, odor medicinal desagradável, cera, licoroso, uva seca, doce demais, irritante

 

Tudo novo na terra do Nouveau.

Unknown beaujolais-nouveauNo lugar onde um dia parecia ter havido apenas Beaujolais Nouveau, 510 famílias se reuniram para produzirem 70 000 hectolitros por ano, em 12 denominações diferentes, com 3 vinícolas tradicionais da região: Chateau Pièrres Dorées,  Chateau de Chénas e Chateau des Loges. Produtores da maior elegância e pretensão, alguns vinhos frescos – longe da jovialidade fugaz dos Nouveau. Vinhateiros que procuram importador entre nós, para chegar às nossas gondolas custando de R$50,00 a R$200,00..

Entre eles, uma primeira grande e agradável surpresa – um  Beaujolais Blanc 2011 Terra ICONIA que ganhou a médaille or Macon/médaille OR Chardonnay du Monde 2013, concorrendo com produtores do mundo inteiro, inclusive com produtos da vizinha Borgonha!

E esta surpresa foi seguida por algumas outras, particularmente a que causou o Moulin a Vent Coeur de Granite que saiu da tipicidade dos melhores Beaujolais e foi se colocar no escaninho dos vinhos de guarda, com bela estrutura e corpo, tirando da uva Gamay, responsável por todo beaujolais tinto, qualidades dantes jamais imaginadas.

Imagino que o Duque Philippe, Le Hardi, quando expulsou o Gamay de sua nobre terra oriental borgonhesa, nos limites de Dijon e Beaune – no finzinho dos anos 1300 – não imaginava seu potencial, pois se prestava a vinhos simples demais, parentes diretos dos polêmicos Nouveaux, vinhos de entrada de gama, vinhos para quem não toma vinho, conexão direta com o suco de uva.

De fato, muitos séculos depois, a partir de meados dos anos 1800, os Beaujolais ganharam certa consistência e se diferenciaram daquele vinho ralinho e super jovem – tataraneto do Beaujolais Noveau – em mais de 50 localidades acima de Lyon, que ganharam o nome de Beaujolais Village, seja por mérito de qualidade, seja por força política de seus produtores. Depois desses, 10 vilarejos se destacaram ainda mais e ganharam o direito de colocar seu nome no rótulo no lugar do nome regional, o que foi decidamente referendado pela legislação dos 1960: Brouilly, Chiroubles, Côte de Brouilly, Juliénas, Régnié, Chénas, Saint-Amour, Fleurie, Morgon e Moulin à Vent.

 

Para Você que conhece tudo e tudo conhece sobre vinho

Negrette – uva que se deu super bem na região em torno de Carcassone, nos Pirineus franceses, defendida por um AOC recente, de 2005, chamado Fronton, que regula o uso de uvas não autóctones como Cabernet Sauvignon e Merlot em misturas onde a prevalência fica para a dita negrinha (negrette), vinda – dizem as linguas – com os Cruzados desde o Mediterraneo, naquela época distante.
Rabigato – uva do Douro, autóctone daquela micro região, que perfuma e dilui o pesado corpo das tintas tânicas tão apreciadas, com uma função semelhante ao que se vê, por exemplo, no Governo Toscando, onde a Malvasia ou outras uvas brancas podem entrar com até 10% no corte da Sangiovese, um pouco para aliviar o peso de seus taninos.
Ocorre que o Rabigato ganhou independência há pouco tempo e corre livre e solto em vinhos de estrutura nunca dantes imaginada nesta cepa.
Rufete – uva da Beira, usada no máximo como complemento a tantos vinhos da região, como os que frequentaram nossas gôndolas da linhagem dos Almeida Garret. Na Expovinis deste ano, um produtor – Quinta dos Termos – nos visitou e trouxe este vinho improvável de muita personalidade, 100% Rufete. E pensar que conhecíamos tudo de vinho até o amanhecer deste novo dia!

Arado animal na Quinta da Mieira
Arado animal na Quinta da Mieira

Wine In. A cada ano um mergulho no mundo do vinho 1

Esta não é uma postagem padrão, pelas suas dimensões, parece mais com um daqueles artigos infindáveis da (boa) revista Piauí e não de um reles blog de reflexão sobre o vinho.

É que finalmente, está quase tudo certo para a realização do que chamamos de ˜Wine In, a cada ano um mergulho no vinho¨, este evento que fui elaborando com a ajuda de tantos entusiastas como eu, que acreditaram ter chegado a hora de criar um forum nestes moldes, em São Paulo, um encontro sério sobre o vinho brasileiro e seu potencial.

Achei que era chegado a hora de divulgar que ele se realizará com o apoio fundamental da APEX, que entrou com o dinheiro, mais as parcerias formais da Ibravin – através de seu braço internacional Wines  Brasil – e Exponor, além de outros tantos apoios, sendo dois deles de grande utilidade – ABE e Embrapa, reunindo o que há de mais apurado entre os enólogos e os engenheiros do solo.

Finalmente, os players são quase todos conhecidos e podemos iniciar os convites, mesmo que tão tardiamente. Começo aqui o que poderá ser uma série de artigos sobre o Wine In, um evento que se realizará no finzinho de agosto, em São Paulo, na Fecomercio, focado no vinho fino tinto brasileiro.

Logo Wine 2

Wine In será um evento onde – em meio a seminários que discutirão o vinho tinto brasileiro no mercado interno e no externo – promoverá uma corajosa (quase temerária) prova às cegas, com vinhos argentinos e chilenos de preço similar no nosso mercado, pois  a experiência produtiva dos países vizinhos, a escala de sua produção, a aceitação internacional de seus produtos e suas vantagens por conta do Mercosul, colocam nossos vinhos com as costas na parede, aparentemente sem condições se defender.

O Wine In discutirá problemas de escala na produção, de escolha mercadológica, de espaço no mundo do vinho aqui e lá fora. Pretende ser o fórum privilegiado para se discutir quanto a produção deve crescer para atingir um patamar de maturidade no mercado, a ponto de se tornar alternativa real para os grandes jogadores (players) do negócio, seja nacionalmente, seja internacionalmente. Pois no Brasil, o consumo do vinho tinto fino não atinge sequer 1litro per capita ao ano, considerando tudo que é importado mais os produzidos internamente, contra mais de 30litros de consumo per capita nos países consumidores e produtores tradicionais. Pois o Brasil exporta vinho de forma tão tímida que parece ser a última alternativa de compra, particularmente quando se trata de vinho tinto…

Começou a nascer quando conheci em 2008 os vinhos de alguns produtores que surpreendentemente haviam feito um aporte de capital em seus territórios num caminho totalmente contrário à tradição brasileira de produção do vinho.

Era gente que estava querendo por sangue novo e dinheiro bom neste nosso mercado sempre tão mal avaliado, principalmente quando comparado com os vinhos produzidos pelos nossos vizinhos chilenos, argentinos e uruguaios.

Por eles, preparava-me para sair do grupo que sempre olhava com fortes suspeitas o vinho feito por aqui, por mais que tivesse conhecido os pioneiros da Granja União, vinhos que concorriam em Paris com os rascantes vinhos da África do Norte, vinhos de menos 1€ no armazém da Av. Reille, perto do Parc Montsouris, em 1973; por mais que eu fosse fã do Velho do Museu, do Antiquario, do Dal Pizzol e de tantos outros que experimentei antes dos anos 90 do século XX. Eram bons quando eram bons, mas eram caros, poucos e irregulares.

luizinho-0631

Portanto, o que via era coisa nova, fora daquele padrão antigo, contrariando até os números tão pequenos de consumo, que nos colocava numa situação evidentemente de lanterna no cenário continental. Podíamos ser o país do sol, do samba, da cerveja e do futebol, mas pelo que víamos definitivamente jamais seríamos o país do vinho.

Foi então que visitei o Boscato em Nova Pãdua, a Villa Francionni em São Joaquim, o novo Valduga e o Pizzato em Bento Gonçalves. Foi então que conheci os vinhos do Luiz Argenta de Flores da Cunha, os da Cordilheira de Sant’Ana de Santana do Livramento, os RAR do acordo Miolo e Lovara e os surpreendentes vinhos da Família Bettù.

vf3

Destes citados, poucos tinham a ver com aquela imagem que se instituiu sobre o vinho do Vale dos Vinhedos, do povo de origem pobre que veio do Vêneto – no norte da Itálila – para fazer a América e conseguiu não apenas sobreviver como constituir um eco-sistema econômico equilibrado e viável para a empresa familiar rural, um fenômeno raro seja no Brasil dos grandes latifúndios, seja fora daqui.

Pois por mais louvável e saudável que pudesse ser a imagem dos imigrantes que fizeram sucesso por aqui, nada se distanciava mais daquela dos produtores do Novo Mundo, com investimentos pesados em qualidade, em estudos do solo, em clones diferenciados, em geo-referenciameno, em equipamento de cantina, em conhecimento enológico pós-Peynaud, o enólogo francês que está na base das grandes revoluções enológicas que permitiram os vinhos que se faz hoje, muito mais fáceis de beber, muito mais frutados e alcóolicos.

Ao contrário, na Villa Francioni, as etapas produtivas se davam por gravidade, a cantina tinha sido construída em vários pisos para eliminar a ação do bombeamento por aparelho.

No caso dos Valduga o comando da casa estava entre a segunda e a terceira geração de vinhateiros que se formavam enólogos e administradores de empresa, resultado socialmente saudável da capitalização gerada pela geração anterior, concentrando capital, investindo em equipamento, diversidade no plantio e treinamento, dando uma cara totalmente renovada ao velho padrão. Pouco tinha a ver com os italianos que vieram para cá, apesar de muito se orgulhar de sua história e tradição.

UnknownComo eles, a Miolo iniciava todo o ciclo de renovação gerencial, que culminou hoje na empresa mais apta a dar lições administrativas a quem quiser investir na área, seja porque buscou padrão de qualidade em cada esforço, seja porque vislumbrou o potencial da diversidade de terroirs que começavam a se provar, seja porque abraçou oportunidades comerciais, acordos internacionais de representação, venda e compra que não tinha qualquer paralelo no Brasil. Seu Lote 43, referência ao território que a família recebeu na partilha do Vale dos Vinhedos para ali começar a trabalhar a terra, nos tempos da imigração, seu Miolo Merlot Terroir salientavam-se cada vez mais.

Ao lado disso, a Cooperativa Aurora – provavelmente a empresa que melhor caracteriza o modus vivendi tradicional do Vale dos Vinhedos –  identificava uma necessidade de sair da mesmice e se apresentar com um vinho mais elaborado, tendo chamado para consultor o chileno com alma brasileira Mario Geisse para orientá-lo a fazer um vinho especial, o Millesime Cabernet Sauvignon.

Ao mesmo tempo, a Salton aproveitava seu capital renovado pela neo-acumulação primitiva vinda a partir do sucesso absoluto de seu chamado Conhaque Presidente(?) (Imagino que haja uma legislação mundial que proteja o nome Cognac, da região do mesmo nome, produto a partir de álcool de uva. O destilado da Salton, é ˜Elaborado com álcool neutro de excelente qualidade proveniente do destilado alcoólico de cana-de-açúcar. Possui infusões naturais de ameixa, uvas e gengibre, conferindo ao produto os aromas e o sabor˜ conforme informações da própria Salton) e também se aventurava nos vinhos de alta qualidade, com o Talento e o Desejo, dois ícones da casa, que dariam fama e prestígio a quem era também conhecido por produzir Chalise, um dos vinhos mais baratos que se produz no Brasil.

Ou seja, mesmo investindo pesadamente na produção de seus ganha-pãos – as uvas de origem americana, enxertadas como a Bordô ou autênticas como a Isabel e outras tantas – os dois últimos citados, gigantes da indústria do vinho brasileiro, percebiam a necessidade de investir em uva de origem européia, de modo menos especulativo, como vinha sendo feito por outros mini-produtores resistentes ao tempo, da estirpe de gente como Dal Pizzol.

Mas era impressionante como apareciam novas estrelas da mudança, produtores criando um novo padrão, muito distante daquele de vinhos feitos na base da aventura e do pouco investimento, colhendo na época da maior carga pluviometrica, com a consequência inevitável da perda de concentração dos açúcares, inviabilizando a sua transformação natural em álcool através da fermentação – sem qualquer manipulação. Por norma, por conta disso, a cada três colheitas duas precisavam de chapitalização, um processo que permite adicionar açúcar vínico para melhorar a concentração alcóolica com a ajuda das leveduras, máquinas vivas de transformação do açúcar em álcool e gás carbônico.

f3884510-b2f7-476b-aa60-ea0e68587086

Agora não, o fenômeno a ser apontada ganhava consistência. O Luiz Argenta era propriedade de capitalistas da distribuição de combustível, pouco tinham a ver com a produção de vinho e compraram as terras da extinta Granja União em Flores da Cunha para diversificar os investimentos e produzir dinheiro novo, produzindo uva e vinho de qualidade. A Villa Francioni nascia da paixão pelo vinho do proprietário da Cecrisa/Portobelo, o Boscato fazia gotejamento automático a partir de um reservatório subterrâneo acionado por computadores, sempre que houvesse falta de água. Seus ventiladores anti-geada, seus canteiros plantados entre plantas nutrientes, completavam um quadro que nos remetia ao melhor de Napa Valley.

Agora não, Em Florianópolis, com o apoio do Sebrae, 300 empresários de outras atividades assistiam palestras sobre o potencial concreto e palpável dos vinhos de altitude em Santa Catarina, com a presença de professores da Universidade de Bordeaux II, o que conferia seriedade ao que se analisava e o que tirava o romantismo inicial dos arroubos produtivos de alguns pioneiros.

imgres A migração de produção para a área tão bem conhecida desde 1970 da Campanha, começava a sair do papel e dar certo. O Ahgheben, decano da enologia brasileira, primeiro profissional a tocar o Projeto Moet Chandon para o Brasil tinha identificado a região como excelente para a produção e passava a produzir por lá, junto com outros abnegados.

anima-vitis_52Mas a vontade empresarial começava apenas engatinhar no fim da década passada, do mesmo jeito que os testes com o Vale São Francisco saiam do papel e se tornavam frutos engarrafáveis. Vinhos dos trópicos, nos paralelos centrais do globo terrestre, começavam a se tornar um novo e agradável enigma, seja no Brasil, seja na baixa Califórnia, seja na impensável Polinésia Francesa, o Tahiti, no meio do Pacífico Sul.

imagesTive a certeza então que, por menos que os velhos bebedores de vinho pudessem acreditar, o estado da arte do vinho no mundo invadia o Brasil com seus princípios, mecanismos e modos de produção. Como se não bastasse a massa de evidências de uma nova era, a Lídio Carraro criava duas linhas de vinhos sofisticados, ambas sem qualquer contato com a madeira, tendência mundial bastante sólida e, para os nossos padrões, totalmente inédita, visto que a madeira sempre conferira qualidade ao vinho, separando o jovem do vinho de guarda. Definitivamente, eram outros tempos.

A PRIMEIRA PROVA

Em 2009 convidei bebedores de vinho a participar de uma prova com vinhos brasileiros que eles não conheciam.

Sun22Jul2012123708BRT1A generosidade do casal Ique e Ana Soares (na foto, em seu atelier culinário, Mesa III) permitiu um ambiente maravilhoso e uma comida encantadora, ideal para a degustação que queria produzir. Era um grupo formado de 14 pessoas amantes do vinho, escolhido por serem todos, além de habitués de taças, gente com vida internacional intensa, gente da universidade, do governo ou de empresas de consultoria, todos com estudo no exterior, a maioria tendo estudado na Europa ou nos EUA, instados a presentear estrangeiros com um novo produto brasileiro, algo que surpreendesse. Meu mote era ˜Dar um vinho brasileiro de presente deixou de ser uma bobagem!˜.

Propus, um tanto ingenuamente, 25 vinhos a serem degustados, divididos em três camadas de preço: até R$50,00, entre R$50 e R$90,00 e acima disso. A quantidade de amostras causou uma certa confusão geral, mas a impressão que ficou para todos foi de que estávamos diante de um novo período, muito mais promissor.

O Laboratório

Um dos participantes daquela degustação, Glauco Arbix, acabara de sair da presidência do Ipea, finda a primera gestão Lula, e montara um centro de incentivo à inovação, o ‘Observatório da Inovação e competitividade’ que foi estruturado enquanto braço de IEA (Instituto de Assuntos Avançados) da USP.  O vinho e sua potencialidade fora convidado a participar e ganhava espaço entre projetos de inovação como a academia jamais tinha feito no Brasil. Lá, pude produzir um vídeo que rodou o Brasil no formato mpg e ajudou a divulgar a necessidade de se trabalhar não simplesmente a imagem comercial, mas sobretudo a imagem pré-comercial, aquela cujos conceitos pré-fabricados só caem diante de argumentos racionais, científicos, irrefutáveis.

Daí a começar dois projetos foi um passo. Com a ajuda inestimável do Demétrio Toledo, coordenador do Observatório, construímos dois projetos, um deles o Wine In que mantém o modelo apesar de tantas mudanças e adaptações ocorridas de lá pra cá e outro o de um processo de acompanhamento de cinco casos de produção por cinco anos – de preferência um de cada terroir, um grande outro pequeno, um familiar e outro bem profissional… Conversei bastante com alguns produtores, particularmente com o Flavio Pizzato, que se tornou amigo e entusiasta destes projetos. Mas até agora a ideia do acompanhamento não se mostrou madura para se implantada ainda.

Wine In, o evento

O primeiro encontro se dará com o seguinte formato misto – seis palestras, cada uma de uma hora e meia de duração, cada uma com um palestrante master (40`) apoiado por três palestrantes complementares (cada um com 10`de tempo), sendo os 20`restantes dedicados a troca de opiniões.

O primeiro dia será voltado para a produção e a vocação dos vinhos tintos nas diferentes regiões produtivas, o mercado do vinho do Brasil – incluindo aí questões de infraestrutura, logística e impostos – para terminar com uma conversa sobre o marketing e os formadores de opinião.

No segundo dia, o foco será mais internacional, começando com uma reflexão sobre o Novíssimo Mundo do Vinho que começa a ganhar corpo como a China, a Russia, os EUA e o Brasil,  uma palestra sobre o mercado norteamericano que cresceu mais do que qualquer outro e que pode nos servir como oriente para o nosso futuro próximo, uma aula que chegaram até o que hoje são, o maior mercado do mundo, um dos maiores produtores. Continua com a última palestra do evento, ¨Tendências internacionais: onde estamos e onde podemos estar no futuro próximo¨.

Quanto às degustações, elas serão gratuitas no Circuito da Ibravin, que estará aberto nos dois dias.

Nos dois dias haverá degustações pagas, uma por dia, comentada e referente às palestras e discussões, além de outra igualmente paga que permitirá o amante do vinho acompanhar os trabalhos dos degustadores profissionais.

No primeiro dia, 22 vinhos das regiões produtivas do bom vinho brasileiro atual. No segundo dia, 22 vinhos da Russia, China, Índia e EUA.

A atividade dos profissionais, poderá ser acompanhada por telão, disposto na sala onde estarão os produtores que fazem parte do Circuito da Ibravin, mas também por aqueles que se dispuserem a pagar e quiserem reproduzir ipsis literis a ação dos degustadores. Num primeiro momento, serão degustados vários vinhos brasileiros às cegas com o intuito de eleger os cinco finalistas. Logo em seguida, estas cinco amostras finalistas serão comparadas às 10 vindas dos países vizinhos.

Para os dois dias, a mesma atividade. A diferença é que no primeiro dia, os vinhos terão um teto de mercado, em torno dos R$50,00. E no segundo dia com um piso a partir deste número, R$50,00.

Em tempo, um telão permitirá que se acompanhe a degustação fechada aos profissionais desde a sala do Circuito.

Fechando a atividade Wine IN, pretendemos produzir uma revista, comentando todas as degustações e as atividades intelectuais realizadas, criando um documento que servirá de base para as próximas atividades.

É isso, de um fôlego só apresento o Wine In a atividade mais concentrada que tive nos últimos tempos. Espero que você curta e venha prestigiar, venha participar, dar sugestões. Até lá !