Esta não é uma postagem padrão, pelas suas dimensões, parece mais com um daqueles artigos infindáveis da (boa) revista Piauí e não de um reles blog de reflexão sobre o vinho.
É que finalmente, está quase tudo certo para a realização do que chamamos de ˜Wine In, a cada ano um mergulho no vinho¨, este evento que fui elaborando com a ajuda de tantos entusiastas como eu, que acreditaram ter chegado a hora de criar um forum nestes moldes, em São Paulo, um encontro sério sobre o vinho brasileiro e seu potencial.
Achei que era chegado a hora de divulgar que ele se realizará com o apoio fundamental da APEX, que entrou com o dinheiro, mais as parcerias formais da Ibravin – através de seu braço internacional Wines Brasil – e Exponor, além de outros tantos apoios, sendo dois deles de grande utilidade – ABE e Embrapa, reunindo o que há de mais apurado entre os enólogos e os engenheiros do solo.
Finalmente, os players são quase todos conhecidos e podemos iniciar os convites, mesmo que tão tardiamente. Começo aqui o que poderá ser uma série de artigos sobre o Wine In, um evento que se realizará no finzinho de agosto, em São Paulo, na Fecomercio, focado no vinho fino tinto brasileiro.

Wine In será um evento onde – em meio a seminários que discutirão o vinho tinto brasileiro no mercado interno e no externo – promoverá uma corajosa (quase temerária) prova às cegas, com vinhos argentinos e chilenos de preço similar no nosso mercado, pois a experiência produtiva dos países vizinhos, a escala de sua produção, a aceitação internacional de seus produtos e suas vantagens por conta do Mercosul, colocam nossos vinhos com as costas na parede, aparentemente sem condições se defender.
O Wine In discutirá problemas de escala na produção, de escolha mercadológica, de espaço no mundo do vinho aqui e lá fora. Pretende ser o fórum privilegiado para se discutir quanto a produção deve crescer para atingir um patamar de maturidade no mercado, a ponto de se tornar alternativa real para os grandes jogadores (players) do negócio, seja nacionalmente, seja internacionalmente. Pois no Brasil, o consumo do vinho tinto fino não atinge sequer 1litro per capita ao ano, considerando tudo que é importado mais os produzidos internamente, contra mais de 30litros de consumo per capita nos países consumidores e produtores tradicionais. Pois o Brasil exporta vinho de forma tão tímida que parece ser a última alternativa de compra, particularmente quando se trata de vinho tinto…
Começou a nascer quando conheci em 2008 os vinhos de alguns produtores que surpreendentemente haviam feito um aporte de capital em seus territórios num caminho totalmente contrário à tradição brasileira de produção do vinho.
Era gente que estava querendo por sangue novo e dinheiro bom neste nosso mercado sempre tão mal avaliado, principalmente quando comparado com os vinhos produzidos pelos nossos vizinhos chilenos, argentinos e uruguaios.
Por eles, preparava-me para sair do grupo que sempre olhava com fortes suspeitas o vinho feito por aqui, por mais que tivesse conhecido os pioneiros da Granja União, vinhos que concorriam em Paris com os rascantes vinhos da África do Norte, vinhos de menos 1€ no armazém da Av. Reille, perto do Parc Montsouris, em 1973; por mais que eu fosse fã do Velho do Museu, do Antiquario, do Dal Pizzol e de tantos outros que experimentei antes dos anos 90 do século XX. Eram bons quando eram bons, mas eram caros, poucos e irregulares.

Portanto, o que via era coisa nova, fora daquele padrão antigo, contrariando até os números tão pequenos de consumo, que nos colocava numa situação evidentemente de lanterna no cenário continental. Podíamos ser o país do sol, do samba, da cerveja e do futebol, mas pelo que víamos definitivamente jamais seríamos o país do vinho.
Foi então que visitei o Boscato em Nova Pãdua, a Villa Francionni em São Joaquim, o novo Valduga e o Pizzato em Bento Gonçalves. Foi então que conheci os vinhos do Luiz Argenta de Flores da Cunha, os da Cordilheira de Sant’Ana de Santana do Livramento, os RAR do acordo Miolo e Lovara e os surpreendentes vinhos da Família Bettù.

Destes citados, poucos tinham a ver com aquela imagem que se instituiu sobre o vinho do Vale dos Vinhedos, do povo de origem pobre que veio do Vêneto – no norte da Itálila – para fazer a América e conseguiu não apenas sobreviver como constituir um eco-sistema econômico equilibrado e viável para a empresa familiar rural, um fenômeno raro seja no Brasil dos grandes latifúndios, seja fora daqui.
Pois por mais louvável e saudável que pudesse ser a imagem dos imigrantes que fizeram sucesso por aqui, nada se distanciava mais daquela dos produtores do Novo Mundo, com investimentos pesados em qualidade, em estudos do solo, em clones diferenciados, em geo-referenciameno, em equipamento de cantina, em conhecimento enológico pós-Peynaud, o enólogo francês que está na base das grandes revoluções enológicas que permitiram os vinhos que se faz hoje, muito mais fáceis de beber, muito mais frutados e alcóolicos.
Ao contrário, na Villa Francioni, as etapas produtivas se davam por gravidade, a cantina tinha sido construída em vários pisos para eliminar a ação do bombeamento por aparelho.
No caso dos Valduga o comando da casa estava entre a segunda e a terceira geração de vinhateiros que se formavam enólogos e administradores de empresa, resultado socialmente saudável da capitalização gerada pela geração anterior, concentrando capital, investindo em equipamento, diversidade no plantio e treinamento, dando uma cara totalmente renovada ao velho padrão. Pouco tinha a ver com os italianos que vieram para cá, apesar de muito se orgulhar de sua história e tradição.
Como eles, a Miolo iniciava todo o ciclo de renovação gerencial, que culminou hoje na empresa mais apta a dar lições administrativas a quem quiser investir na área, seja porque buscou padrão de qualidade em cada esforço, seja porque vislumbrou o potencial da diversidade de terroirs que começavam a se provar, seja porque abraçou oportunidades comerciais, acordos internacionais de representação, venda e compra que não tinha qualquer paralelo no Brasil. Seu Lote 43, referência ao território que a família recebeu na partilha do Vale dos Vinhedos para ali começar a trabalhar a terra, nos tempos da imigração, seu Miolo Merlot Terroir salientavam-se cada vez mais.
Ao lado disso, a Cooperativa Aurora – provavelmente a empresa que melhor caracteriza o modus vivendi tradicional do Vale dos Vinhedos – identificava uma necessidade de sair da mesmice e se apresentar com um vinho mais elaborado, tendo chamado para consultor o chileno com alma brasileira Mario Geisse para orientá-lo a fazer um vinho especial, o Millesime Cabernet Sauvignon.
Ao mesmo tempo, a Salton aproveitava seu capital renovado pela neo-acumulação primitiva vinda a partir do sucesso absoluto de seu chamado Conhaque Presidente(?) (Imagino que haja uma legislação mundial que proteja o nome Cognac, da região do mesmo nome, produto a partir de álcool de uva. O destilado da Salton, é ˜Elaborado com álcool neutro de excelente qualidade proveniente do destilado alcoólico de cana-de-açúcar. Possui infusões naturais de ameixa, uvas e gengibre, conferindo ao produto os aromas e o sabor˜ conforme informações da própria Salton) e também se aventurava nos vinhos de alta qualidade, com o Talento e o Desejo, dois ícones da casa, que dariam fama e prestígio a quem era também conhecido por produzir Chalise, um dos vinhos mais baratos que se produz no Brasil.
Ou seja, mesmo investindo pesadamente na produção de seus ganha-pãos – as uvas de origem americana, enxertadas como a Bordô ou autênticas como a Isabel e outras tantas – os dois últimos citados, gigantes da indústria do vinho brasileiro, percebiam a necessidade de investir em uva de origem européia, de modo menos especulativo, como vinha sendo feito por outros mini-produtores resistentes ao tempo, da estirpe de gente como Dal Pizzol.
Mas era impressionante como apareciam novas estrelas da mudança, produtores criando um novo padrão, muito distante daquele de vinhos feitos na base da aventura e do pouco investimento, colhendo na época da maior carga pluviometrica, com a consequência inevitável da perda de concentração dos açúcares, inviabilizando a sua transformação natural em álcool através da fermentação – sem qualquer manipulação. Por norma, por conta disso, a cada três colheitas duas precisavam de chapitalização, um processo que permite adicionar açúcar vínico para melhorar a concentração alcóolica com a ajuda das leveduras, máquinas vivas de transformação do açúcar em álcool e gás carbônico.

Agora não, o fenômeno a ser apontada ganhava consistência. O Luiz Argenta era propriedade de capitalistas da distribuição de combustível, pouco tinham a ver com a produção de vinho e compraram as terras da extinta Granja União em Flores da Cunha para diversificar os investimentos e produzir dinheiro novo, produzindo uva e vinho de qualidade. A Villa Francioni nascia da paixão pelo vinho do proprietário da Cecrisa/Portobelo, o Boscato fazia gotejamento automático a partir de um reservatório subterrâneo acionado por computadores, sempre que houvesse falta de água. Seus ventiladores anti-geada, seus canteiros plantados entre plantas nutrientes, completavam um quadro que nos remetia ao melhor de Napa Valley.
Agora não, Em Florianópolis, com o apoio do Sebrae, 300 empresários de outras atividades assistiam palestras sobre o potencial concreto e palpável dos vinhos de altitude em Santa Catarina, com a presença de professores da Universidade de Bordeaux II, o que conferia seriedade ao que se analisava e o que tirava o romantismo inicial dos arroubos produtivos de alguns pioneiros.
A migração de produção para a área tão bem conhecida desde 1970 da Campanha, começava a sair do papel e dar certo. O Ahgheben, decano da enologia brasileira, primeiro profissional a tocar o Projeto Moet Chandon para o Brasil tinha identificado a região como excelente para a produção e passava a produzir por lá, junto com outros abnegados.
Mas a vontade empresarial começava apenas engatinhar no fim da década passada, do mesmo jeito que os testes com o Vale São Francisco saiam do papel e se tornavam frutos engarrafáveis. Vinhos dos trópicos, nos paralelos centrais do globo terrestre, começavam a se tornar um novo e agradável enigma, seja no Brasil, seja na baixa Califórnia, seja na impensável Polinésia Francesa, o Tahiti, no meio do Pacífico Sul.
Tive a certeza então que, por menos que os velhos bebedores de vinho pudessem acreditar, o estado da arte do vinho no mundo invadia o Brasil com seus princípios, mecanismos e modos de produção. Como se não bastasse a massa de evidências de uma nova era, a Lídio Carraro criava duas linhas de vinhos sofisticados, ambas sem qualquer contato com a madeira, tendência mundial bastante sólida e, para os nossos padrões, totalmente inédita, visto que a madeira sempre conferira qualidade ao vinho, separando o jovem do vinho de guarda. Definitivamente, eram outros tempos.
A PRIMEIRA PROVA
Em 2009 convidei bebedores de vinho a participar de uma prova com vinhos brasileiros que eles não conheciam.
A generosidade do casal Ique e Ana Soares (na foto, em seu atelier culinário, Mesa III) permitiu um ambiente maravilhoso e uma comida encantadora, ideal para a degustação que queria produzir. Era um grupo formado de 14 pessoas amantes do vinho, escolhido por serem todos, além de habitués de taças, gente com vida internacional intensa, gente da universidade, do governo ou de empresas de consultoria, todos com estudo no exterior, a maioria tendo estudado na Europa ou nos EUA, instados a presentear estrangeiros com um novo produto brasileiro, algo que surpreendesse. Meu mote era ˜Dar um vinho brasileiro de presente deixou de ser uma bobagem!˜.
Propus, um tanto ingenuamente, 25 vinhos a serem degustados, divididos em três camadas de preço: até R$50,00, entre R$50 e R$90,00 e acima disso. A quantidade de amostras causou uma certa confusão geral, mas a impressão que ficou para todos foi de que estávamos diante de um novo período, muito mais promissor.
O Laboratório
Um dos participantes daquela degustação, Glauco Arbix, acabara de sair da presidência do Ipea, finda a primera gestão Lula, e montara um centro de incentivo à inovação, o ‘Observatório da Inovação e competitividade’ que foi estruturado enquanto braço de IEA (Instituto de Assuntos Avançados) da USP. O vinho e sua potencialidade fora convidado a participar e ganhava espaço entre projetos de inovação como a academia jamais tinha feito no Brasil. Lá, pude produzir um vídeo que rodou o Brasil no formato mpg e ajudou a divulgar a necessidade de se trabalhar não simplesmente a imagem comercial, mas sobretudo a imagem pré-comercial, aquela cujos conceitos pré-fabricados só caem diante de argumentos racionais, científicos, irrefutáveis.
Daí a começar dois projetos foi um passo. Com a ajuda inestimável do Demétrio Toledo, coordenador do Observatório, construímos dois projetos, um deles o Wine In que mantém o modelo apesar de tantas mudanças e adaptações ocorridas de lá pra cá e outro o de um processo de acompanhamento de cinco casos de produção por cinco anos – de preferência um de cada terroir, um grande outro pequeno, um familiar e outro bem profissional… Conversei bastante com alguns produtores, particularmente com o Flavio Pizzato, que se tornou amigo e entusiasta destes projetos. Mas até agora a ideia do acompanhamento não se mostrou madura para se implantada ainda.
Wine In, o evento
O primeiro encontro se dará com o seguinte formato misto – seis palestras, cada uma de uma hora e meia de duração, cada uma com um palestrante master (40`) apoiado por três palestrantes complementares (cada um com 10`de tempo), sendo os 20`restantes dedicados a troca de opiniões.
O primeiro dia será voltado para a produção e a vocação dos vinhos tintos nas diferentes regiões produtivas, o mercado do vinho do Brasil – incluindo aí questões de infraestrutura, logística e impostos – para terminar com uma conversa sobre o marketing e os formadores de opinião.
No segundo dia, o foco será mais internacional, começando com uma reflexão sobre o Novíssimo Mundo do Vinho que começa a ganhar corpo como a China, a Russia, os EUA e o Brasil, uma palestra sobre o mercado norteamericano que cresceu mais do que qualquer outro e que pode nos servir como oriente para o nosso futuro próximo, uma aula que chegaram até o que hoje são, o maior mercado do mundo, um dos maiores produtores. Continua com a última palestra do evento, ¨Tendências internacionais: onde estamos e onde podemos estar no futuro próximo¨.
Quanto às degustações, elas serão gratuitas no Circuito da Ibravin, que estará aberto nos dois dias.
Nos dois dias haverá degustações pagas, uma por dia, comentada e referente às palestras e discussões, além de outra igualmente paga que permitirá o amante do vinho acompanhar os trabalhos dos degustadores profissionais.
No primeiro dia, 22 vinhos das regiões produtivas do bom vinho brasileiro atual. No segundo dia, 22 vinhos da Russia, China, Índia e EUA.
A atividade dos profissionais, poderá ser acompanhada por telão, disposto na sala onde estarão os produtores que fazem parte do Circuito da Ibravin, mas também por aqueles que se dispuserem a pagar e quiserem reproduzir ipsis literis a ação dos degustadores. Num primeiro momento, serão degustados vários vinhos brasileiros às cegas com o intuito de eleger os cinco finalistas. Logo em seguida, estas cinco amostras finalistas serão comparadas às 10 vindas dos países vizinhos.
Para os dois dias, a mesma atividade. A diferença é que no primeiro dia, os vinhos terão um teto de mercado, em torno dos R$50,00. E no segundo dia com um piso a partir deste número, R$50,00.
Em tempo, um telão permitirá que se acompanhe a degustação fechada aos profissionais desde a sala do Circuito.
Fechando a atividade Wine IN, pretendemos produzir uma revista, comentando todas as degustações e as atividades intelectuais realizadas, criando um documento que servirá de base para as próximas atividades.
É isso, de um fôlego só apresento o Wine In a atividade mais concentrada que tive nos últimos tempos. Espero que você curta e venha prestigiar, venha participar, dar sugestões. Até lá !